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sábado, 30 de dezembro de 2006

Até lá.... |Dlimmmmmmm|...|Dlommmmmmm|


imagem: Marco Neves

Não Consigo Escrever

Não consigo visionar qualquer ideia. Não sei, nem sinto qualquer flamejo da minha mente. Escreveria no meio da água, à espera de uma qualquer corrente que me levasse daqui.

Desespero de cada vez que a caneta se aproxima da folha e nada acontece. Não há química, não há aquela coisa, a tal que me faz escrever. Preocupo-me pois, há demasiado tempo que nada escrevo, demasiado para mim, para este mundo.


Diz-se natural em quem escreve. Eu não quero que seja uma coisa natural. É grave! Não quero, porque não aceito que seja tão normal quanto isso. Apetece-me escrever, e não conseguir deixa-me perturbado. Escrever causa-me frustração, não fazê-lo pior me deixa. A libertação é momentânea, mas basta para que me sinta liberto e leve.

A caneta esbate com violência contra o caderno. Derramo a minha fúria no papel. A insatisfação que sinto aliada a um mau estar físico, combinam na perfeição nesta conspiração contra a minha vontade. Talvez inconsciente que seja, a falta de química seja provocada por mim. Estimula-me a revolta. Odeio-me por isso.


Nem sei muito bem porque aqui estou, gastando tempo no infrutífero. A música irrita-me, o dia também. As pessoas incomodam-me, a solidão faz-me pior. Não me apetece beber, mas quero sair e entregar-me a um balcão mais perto de mim. Não me apetece nada! Quero-os todos fora daqui!

Agonia lenta, imbecil e lambida nas cinzas de fogo apagado. Desejo maior de cravar esta caneta no meu pulso. A negra tinta fluindo por mim, disseminando-se até cada poro. Sair à rua, dançar na chuva e diluir-me por um ralo qualquer. Momento este, exemplar do meu constante e incomodativo flagelo interior. Canso-me de não me cansar de ser assim. Detesto detestar, mas apetece-me tanto. Aleijo sem querer, mas quero bater, ferir, magoar tanto, até que a mente ceda e volte a escrever.


Inicia-se a jornada habitual pela ala dos fantasmas. Nada melhor que me atormentar, espetar agulhas na raiz do mal. Mutilar-me verbalmente, nestas mesmas palavras que não chegam a sair de mim. Quero, apetece-me, desejo tanto.

Criar a frio uma dor complacente e saborosa. Aquele medo que se esconde desde pequeno, o mal que reside em mim. Na humilhação existe a esperança de me enfurecer. Quero escrever, custe o que custar. Quero sair deste corpo que me prende, sair daqui e viver eternamente nas palavras.

É habitual o ritual do turbilhão. Olhar no vazio infinito que se abre mesmo frente dos meus olhos. Arde-me a vista de tanto fixar o nada. O silêncio torna-se numa tentadora aberração, surda e lesta. Aos poucos, no escuro, tudo se transforma em mim. O espaço é unicamente uma parte física do que sou, a escuridão completa.


Talvez quando acorde, me sinta capaz de debitar qualquer coisa. O meu problema reside em mim. é viciante, demasiado para o considerar natural. Gosto de sentir a revolta, a erupção. Estimula-se o incómodo, porque a besta nunca dorme. E mesmo que após uma caminhada pelo pior nada consiga escrever, pior seria a agonia de nada fazer. Descansarei quando arrancar por completo a minha pele, dando lugar a uma nova, igual à antiga.

Não consigo escrever!

sexta-feira, 22 de dezembro de 2006

quarta-feira, 20 de dezembro de 2006

terça-feira, 19 de dezembro de 2006

De que falo|?|

As sombras que insistem em não desvanecer com o tempo, tornam-se nódoas aos olhos de quem as sente e de quem as vê. E quando a noite chega com as suas mãos de pesadas horas, o antigo relógio de parede faz-se ouvir, dando corda ao único momento dos pesarosos dias em que nos sentimos vivos.
É entre as vagas de sono que se abatem lentamente na fina camada de consciência, que nos encontramos. Pouco a pouco abdicamos do corpo, olhando para o branco infinito do tecto do quarto, até finalmente estarmos todos presentes.
De mãos dadas e sorrisos largos, sentimos o que nos é impedido de olhos abertos. Não são sonhos, são encontros camuflados entre nós. Esconderijo de nós para nós, tão inalcansável e volátil a estranhos como a um simples acordar. Os habituais sabem-no e não o ignoram.
Por mais que se durma serão sempre breves, os encontros, não nós. Seria injusto dizer que não nos completa a todos. Por pouco que pareça, é-me bastante gratificante sentir a leveza do teu toque e a candura do teu olhar. Aqui estamos entre as brisas e os desejos em comum.
Acordados ou não, sempre estivemos e estaremos.

sábado, 16 de dezembro de 2006

Dedos


Dedos meus que já não sentem
Que te sentiram
Que disseram que te tocavam
Tocaram
Diziam eles
Sentiam um amor
Na pele que lhes é
Na tua que já não está
O suave que era tocar
Os dedos que ainda são meus
Tu não
imagem: Marco Neves

sexta-feira, 15 de dezembro de 2006

Ruídos

Silêncio
Pesado neste sentido
Em sentido de sentir
Gelo na boca
Enamorada queimadura
Empobrecida, empedernida

Silêncio
Quando corre a cortina
Do muro aos lamentos
A vigília nefasta, ingrata
Vontade gritante
Dor a que me dou, pesada malícia


Silêncio
Não se canta, não neste sentido
Não no espaço que me é destinado
Tributado, conveniente, isolado
Não se encanta este coração
Não aqui aos meus olhos

Silêncio!
Porque quero silêncio!
Silenciar na surdez a ausência
Respirar sem me ouvir
Esgar inebriado e disforme
Sistemático, sintomático, porque sinto

Silêncio...
Passo na corrente
Em força por entre as pedras
Gastas de mim, na minha pele
Marcas minhas de rudes lembranças
Eu, eu e somente eu

Silêncio
Degradado a negro encanto
Vulto escuro, duro, perene
Novelo amadurecido a cada espaço
Volto, retorno, arremessado para ali
Ao canto que não se vê, incontornável

Silêncio
Por tudo o que me rodeia
Porque me acabo, extinguindo-me
Toda a voz que foi minha
Comovido, proporcionado
Em nada, por nada, para nada

Silêncio
Preservando o grito de Amanhã.

terça-feira, 12 de dezembro de 2006

sábado, 9 de dezembro de 2006

|Ver|Da|De| num passeio casual. |Ver|Da|De| na chuva que se fazia sentir.

Num momento de profunda clareza, cheguei a uma conclusão inabalável, a verdade de tudo. Tudo começa pela farsa que a mesma implica. Na verdade, tudo não é mais que uma alegoria. Traz segurança e clareza, mas a verdade é o oposto. Qualidade, realidade, boa fé, representação do real, princípio exacto… a verdade é o pior dos pesadelos.

A verdade é que pouco do que nos é apresentado é verdade. Comemos, consumimos, travamo-nos de razões, o contra, alienado do sistema… e sistematicamente, a contra verdade é perene ao acto e pensamento. A conspiração em volta do que se diz verdade, rende, é produtiva. Aniquila-se o espaço para a ponderação, negro ou branco, nada há para além disso. Se o proibido é verdadeiro, mais errado será não transpor as barreiras.

Apesar da imbecilidade inerente às minhas palavras, a verdade é somente uma. Neste preciso momento, aqui sou o detentor de toda a razão. A verdade é que nem isso me interessa, nem me preocupa o mínimo que seja, o que se encontra fora de mim.

Magoa saber que se é induzido em erro, consumidos, levados no rebanho. Se é atroz a sensação da violência, o uso abusivo, a verdade é que tudo se move por interesse. É um ganho, proveito, vantagem, lucra-se. Os princípios magoam, a mente formatada desde o início, obriga-nos à redenção, à pena capital. Soframos, porque nos dizem para sofrer. Soframos, porque por vezes é a única coisa que sabemos fazer. A verdade, essa, exclusiva e fria, em nada une cada ser, sem que haja algo que interesse.

Tento não humanizar em demasia as relações. Ganham vida, vícios nossos, hábitos de pecado, por muito verdadeiro que seja. A resolução não tem resposta, porque a verdade é que em cada passo pela calçada, mais me sinto a afundar neste dia, tudo piora. O negativismo já não vive em mim, a verdade é que é apenas um pequeno demónio constante em mim. Um entre tantos que tento preservar. A verdade existencial é fortuita, um factor a acrescentar a tudo o resto.

A verdade é que somos bem superiores, apenas na insistência de nos considerarmos uma aberração. De facto, quase é a verdade, mas essa resguarda-nos da decepção constante a que estamos sujeitos. A solidão em si nem é muito má. A indiferença gradual que sinto quando passeio pela rua, não me apaga do mundo. A verdade é que abona na minha identidade. O vazio dos outros que tanto se critica, vive em mim comodamente. Talvez quando vou na corrente, porque simplesmente me agrada ser levado pela turba entorpecida na razão, sem destino.

A verdade não interessa a ninguém. A consciência da mesma muito menos. A mentira, sim essa é verdadeira. Eu próprio não acredito numa única palavra que escrevo, no entanto, a verdade é que nem me importo se acredito.

A sensibilidade de alguns, tão grotesca e rude, na verdade é delicada e encantadora. Na mesma cegueira em que se tecem inverdades, inunda-se o mundo com histórias de encantar. A verdade é mentira, causa-me náuseas, e nem um motivo tenho em concreto, nem tenho nada contra a verdade, pois estaria a mentir.

A verdade é que nada invento, muito menos estou louco. E mesmo que me questione para que serve tudo isto, para que escrevo se nada tenho para aplicar. A verdade é que nada disso continua a ser importante. A verdade é que me encontro sem qualquer peso de consciência, e quase sem noção da mesma. Não me incomoda saber que estou numa farsa pegada em palavras minhas. A verdade mesmo, é que nem as palavras são minhas, uso-as apenas, como todos. Assim como aqueles que se dizem detentores da verdade, aquela verdade absolutista e tecnocrata. A verdade é única e estéril.

Na grande verdade, minto com todo o prazer, porque a mesma é obtusa e reclusa de si. Na verdade, apetecia-me pedir um resgate. Mentindo, convencendo-me de ser portador da única verdade.

A verdade é esta. Começa tal como o início desta frase, e acaba num mero ponto final. A verdade está lá fora, aqui dentro conspira-se na mentira. Essa é verdadeira. A verdade causa-me verdete.

quarta-feira, 6 de dezembro de 2006

Por instinto

Levo no peito, cheio e completo
A voz que me deste, no pranto de cada sílaba
Torno a voltar-me contra a própria sombra
Vociferando como um velho senil
Sem sinal



Sem sinal de porto, seguro e de resguardo
Marcado, a milhas, em qualquer confim
Porto seguro, constante em mim
Parto confiante no que levo, no nome que me deste
Sem rota



Sem rota, traço no mapa, nem nas estrelas orientado
O laço, na união que tenho, no humano que tento ser
O trilho desvenda-se, a rota faz-se anunciar
No olho do instinto, no peso entre a espera e a procura
Farejo



Farejo o que se proporciona sob o sol escaldante
Suor, marca, suor, calor, suor, amor, suor, sorrir
No frio, submeto a pele ao estímulo do arrepio
Aqui... aqui... mais aqui, e aqui também
É bom


É bom arder, renascer, acalmar, revolver, acabar, morrer
Verbalizar em cada pedaço meu, uma parte de cada qual
Ser canto qualquer, no desconhecido, fora de rota que esteja
No silêncio a que a palavra me obriga, não menos calado o sou aqui
Em ti


Em ti, areia fina, pó em delicadas mãos de tocar
Despistar-me na tua bainha, linhas no retoque a tempo do decoro
Fingir impressionar os bons costumes, em gozo que somos
Transforma-se o dia num sorriso, é fácil viver quando...
Levo no peito...




imagem: Marco Neves

domingo, 3 de dezembro de 2006

i'm|so|M|niac



Torço, contorço
Contra mim, na inércia por te esperar
E recusas em deixar-me ir...


Penso, repenso
Embato, esbato no espelho por me cansar
E insistes na vigília...

Suspiro, respiro
Inspiro, esperando em vão deixar de pensar
E teimas em não findar...

Dançamos, mergulhamos
Na garra da paixão de te viver
E recusas em me largar...

Desperto, desespero
No choque dos teus lábios, no teu morder
E ousas em me aleijar...
És sentimento, és coisa ruim
Espertina pessoa que tanto se cola a mim
E vivemos assim...




imagem: Marco Neves

quinta-feira, 30 de novembro de 2006

Tu Sabes Bem Melhor

Negro manto
Truque escuro
Obscuro do absoluto
Absurdo movimento
Estanque, a seco
Não consigo aguentar mais
Na tua luz
Sob o teu esplendor
Sem ti




Teu aroma cânfora
Jazigo em meu coração, trancado
Sou eu uma resma de mim
Ofereço-te em rasgos, ternuras
Escura e negreira, a nocturna
Não consigo aguentar mais
Na tua presença
Constante no teu abraço
Sem mim




Tua raiz que agarra o terreno
Embrenhada no meu sólido presente
Em pena te escrevo
Riscando tuas folhas, a cada linha
Sem retorno no entorno
Não consigo aguentar mais
A volúpia que me persegue
Nas tuas infinitas curvas
Sem nada




Melodia sangrada
Acordes em lapsos profundos
Voz em perdido sentido
Encontrado está, em cada toque meu
Na fria superfície, nesse espaço em ti
Não consigo aguentar mais
No medo que me assiste
Embalado no teu olhar
Sem o que seja

segunda-feira, 27 de novembro de 2006

Profissional

À pele da tua imagem, amarraste-me no teu amargor. Encontraste partes de mim, desaparecida que estava. Esquecida num apeadeiro. Nem deste por conta. Fere-me, arrasta-me pelo chão. O cheiro, no rasto que te trouxe até ao meu paradeiro.

A tua frieza, dura e calculada. As nódoas que me causas com os teus lamentos. Desculpo-te por seres assim, no teu próprio mal. A tua avassaladora guerra, desgastante. Quando ficas nessa passividade do momento, pautado a pouco sabor. Sinto-te por toda a parte, e tu sabes tão bem como é difícil suportar todo este ar, sozinha.


Cheguei no momento errado. Olhei-te nos olhos, aqueles que tens quando estás transtornada. O teu desejo era que nem tivesse reparado que ali estavas. Tentei transmitir-te que me sentia a pior pessoa daquele momento. O enjoo de viver era enorme, foi difícil suportar-me durante um dia inteiro. Por vezes não consigo lidar com as minhas próprias mãos.

Ali estavas, no teu canto, exigindo seres ignorada. Paciente, esperei por uma palavra de compreensão, um gesto que fosse. Na tua sede, esperavas que eu tomasse finalmente o papel que me competia.

Juntei colagens, memórias desavindas. Decorei a deixa, acertei o relógio com o bater do teu coração. Dissolvi-me em venenos não catalogados. Vesti-me na pele que me desejaste. No entanto, metade de mim amargurava por não me ouvires.


Começaste por me matar no olhar, na tua vista turva, cega, de predador. Senti a violência na tua transpiração. Esperei-te, morri ao teu primeiro toque. O medo do teu sufoco, na minha pele branca.

Comecei por me afundar, até sentir a asfixia com que desejavas. O teu quadril exposto à minha intempérie. Revolvi todos os teus recantos. Destruído todo o teu encanto, naquele momento selvagem. Senti-me sozinho, entre as palavras que ecoavam na minha cabeça. Gritava pela tua ajuda.

A minha fragilidade era já constante na minha pessoa. A submissa em que me torno, por tanto querer-te nessa pele. O teu olhar, vazio de mim. Não me olhas porque não me vês.


Sofro de cada vez que entro em ti. Dói-me cada marca que te colo à pele, na carne, até à alma. Destrói-me o fogo, a repulsa por te esqueceres que a turva vista não me permite olhar-te.

Não me olhes.

Não te vejo. Sinto outro corpo que não o teu, por baixo do meu. Não estou em mim, nem te sinto aqui. usas-me no teu imaginário, como teu escape.


Usa-me.

Recuso-me.

Iludes-te.

Magoas-me.

Sinto-me segura nas tuas garras, nas presas de quem me quer. Devoras-me na alma, com o teu respirar. Segura-me com força, como rochedo no mar. Aleija-me bem lá no fundo, na mordida que me infliges.


Impostor papel que assimilo a cada instante. Entra dentro desta pele, ao contrário da vontade. Não sei a quem doa mais… não sei.

Explora-me até que não suporte mais esta consciência. Desejo que me faças chorar. Eu mereço que me trates assim. Continua junto de mim, no término de tudo.

Deixo de ligar aos gemidos que oiço, na curva a que obrigo o teu corpo vergar. Cedes. Explodes. Consumas. Finalizas, até à última gota.


Voltas ao corpo que te pertence, deixando ao abandono todo o teu não querer. O meu verdadeiro castigo, obrigado a fazer todo o meu papel. Entra-se numa fase, num campo de cinzas. No acre cheiro que me chega ao sentido, transformo-me no que sei ser, profissional de ti.

Clamo por ti, pois só tu sabes fazê-lo. Na entrega, estendes-me em todo o comprimento da dor. Na devoção por chamar o outro teu lado.


É um exorcismo, uma dádiva. Um suplício enquanto decorre. No fim, quebra-se o silêncio com o ruído do isqueiro. O som do cigarro que arde. A visão lentamente deixa de ser turva. O veneno deixa marcas, demasiadas.

E quando ficas na cama, entre a sombra que persiste em não abandonar o teu rosto. Os teus olhos voltam, flamejantes. A incandescência do meu amor que volta.


E quando fico na cama, tentando romper o que ainda me prende. Esperando pelo teu último grito, que seques e morras. Quando largas a palidez e voltas a ter cor. Quando não cheiras a puta, à morte que nos separa.

Volto eu ao que sou, continuando a sentir-me a pior pessoa daquele momento. O dia foi ruim. Talvez agora me ajudes no meu problema.


Atas-me ao teu peito. Envolta nos teus braços, sussurras-me bem devagar o mal que trouxeste do dia. Cuido de ti, porque só eu sei o que é bom para ti. Ficas nas minhas mão, e eu nas tuas. Só nós sabemos o que somos.

sábado, 25 de novembro de 2006

Negro

Apetecia-me riscar-te a negro

Pintar-te para não te ver

Cego




A negro manto

Esta dor

A Dor

Ei-la

E como domino, no instante




E como saboreio, a própria, tu.

Amar, é ódio.

Palavras, vãs

Insípidas.

Negro, de luto




De chegar a bom termo, eclodir no próprio olhar.

Negro, de tudo

De mim,

Para mim


Em toda a linha que me divide

A fronteira



A sós.


imagem: Marco Neves

quarta-feira, 22 de novembro de 2006

O outro que sou

Faculta-me apenas a um dos sentidos, ao sexto, a possibilidade de compreender mais além. Para mais longe depurar, alimentar este estranho ser que mexe e me revolve por dentro.

Sou eu o próprio progenitor, e assisto complacente, à aliança que todo o meu corpo permite. Tanta vez que me dilaceras o ego, nessa tua vaidade pretensiosa e prosaica. Aniquilas-me, ofuscas qualquer intenção que tenha em cortar-te a acção. És forte, eterno enquanto se tenha força para desafiar a vida.


Empurras, espezinhas, fazes com que fale, por mais que quisesse ficar no silêncio. Hoje que te ausentaste do meu sonho acordado, sinto-me vazio. Um pouco mais no vazio, de mim mesmo.

Estranha relação esta. Entre tantas faces com que te vestes, chego a temer-te, sabias? É embaraçoso estar rodeado de um mundo, e ver-te a qualquer momento, em qualquer objecto que reflicta.

Desafio-te, dia após dia, nesta constante consciência de mim, de ti. Pergunto-me se não sofro de uma demência latente. A constante preocupação em enlevar-te os sentidos. Apoderas-me, vicias-me nesta eterna auto descoberta. Tanto é, que dou por mim a escrever, na madrugada já quase extinta. Acordas-me em sobressalto, a tua voz na minha cabeça. Fala-me. Escreve-me. Sente-me.


Sacana vaidoso e presunçoso. Tiras-me do sono, cansas-me. Levas-me à derrocada física e mental. Pára! Infectas-me de palavras, escritas em negra tinta. Injectas-me em vontade de debitar-te no papel, no tamanho do mundo. Voltarei a adormecer, após o prazer. Teimando em não admitir que desfruto num gozo enorme. Pouco seria sem ti, ambos não sabemos equilibrar-nos numa outra espécie de viver.

Troca-me a volta, a fronha engelhada de tanto aterrar as ideias. Os pés frios, fora do lençol. Excitado, até que seja consumada a satisfação que me assola.


Acendes um cigarro, da mesma forma como eu faço. O papel branco, roça entre os lábios carnudos, humedecidos na ânsia ardente. O extremo da língua, molha a sua base. Roda-o, na tua boca, entre os teus dentes. Aperta-o ao de leve. A pausa, o primeiro momento em que o sentes. O ritual de olhar para a ponta incandescente. Fixas o vazio infinito, ao primeiro arquejo.

Acendo-te, iluminas-me. Dou-te vida nas palavras, dás-me na alma. Dou-te carne, ofereces-me prazer. Entrego-me nas tuas mãos, e nas minhas dou-te a cor de mim.

Obrigas-me a admitir que gosto de ti. Nutro em especial sabor, partilhado num sorriso malandro. Criámos, construímos, fundando um Universo. Explicam, teorizam a nossa existência. Somos catalogados, e com desdém, conduzidos à loucura infame. Não tomo por concluída esta viagem, seria condenar-me a uma morte mais prematura do que será.


És bem maior que a minha condição. Desculpa-me por não te poder ser eterno. Traz-me o sonho de volta. Necessito. Agora.

segunda-feira, 20 de novembro de 2006

Um no outro

Adorno-me com a importância que me dás. Colado na tua memória, à tua pele, chego de mansinho, desprendo todo o desejo que cultivo aqui. Entre a palma da mão e o coração de sentir.


Na minha mão trago mais que desejo. Um pouco de mim, um pouco de ti. Misturados no mesmo recipiente. Esperamos só numa breve pausa de tempo, o suficiente para inspirar. Desenformamos o que de nós misturámos. Ingredientes inextinguíveis, esse teu açúcar, a frutose da tua seiva na minha boca.

Penso que foi num dia assim, semelhante na luz. Sentado ao sol, aquecendo, dilatando o que me corria por dentro. Ideia de te querer, mais até que o próprio querer. No rosto que tens, esboço de sorriso.


Contaste-me um pouco da tua história. Eu fui pintando cada traço de ti, no meu imaginário. Contraste em contraste, encontraste-me. Procuraste e olhaste, a tua vontade era consumir-me, entrar e ficar em ti. Quebra a barreira e vem, chega-te, cola-te. Vem, e faz-me chegar, mais um pouco.

A tua pele, rubra em desejo. Queimo a minha língua em cada parte de ti, morro e renasço a cada instante. No silêncio que escurece o dia, olho-te com a mesma fome. Tomo de assalto o teu umbigo. Espraio por todo o teu corpo, humedecendo cada recanto que existe em ti.


A tua língua que traz à minha, intenções de posse. A tua boca que fala na voz do corpo, este que já nem sei a qual de nós pertence. Desliza bem devagar, ritmado, como o êmbolo que nos faz mexer. Eu em ti, tu em mim. O meu no teu, a tua na minha.

Latejante, palpitando a cada instante, na lúbrica investida. O lençol que enreda e cola. As mãos que agarram e empurram. No gesto cru de agarrar o teu cabelo. Força, dá-me com força. A voz não controlada, na escalada em devaneio, no culminar em êxtase.


O dia que finalmente morre sobre os corpos, cobertos pela quietude que a noite traz em si. Beijamos o único sentido que existe, nós. Na voz quente, encostado ao teu ouvido, provocando pequenos espasmos. Continuando a mesma linha a fio de amor, que nos une. A paixão desmesurada de viver, prosseguindo, um no outro.


Continuamos…


quarta-feira, 15 de novembro de 2006

Porto Mulher

Caiu a gota em mim, essa tua tão cheia de invulgar magia. Desperto na ânsia de me sentir entre as tuas pedras. Esvaído nas tuas vias, antigos caminhos por que me levaste, no teu passeio convidativo, entre ti.


Sonhei-te em tanto tempo, deixando de viver só em mim, a vontade de te abraçar. Vi no rosto que me mostraste, senhora antiga de histórias. Burguesa cosmopolita, acusa em cada lado, em cada esquina, o espírito de união e cerco. Braço com braço, mão com mão, a vontade em força. Valores de plebe, entregue no teu carácter de nação.


Abracei-te quando te senti entrar pelos meus sentidos. O teu sorriso de menina senhora, o profuso e antigo, a majestade que me és. Vestida do maior vislumbre, despi-te no primeiro instante. Eu quero ver-te sempre assim, na quente e rude nudez, feita de diferente sentir, diferente olhar.

As tuas tintas, o sabor da tua luz em escala cinza. Sinto o teu verbo, amar-te. O Verão de Outono no teu sublime enlace. A tua pedra, o teu ferro, a vidraça que se inclina para a água. Entendo porque me arrastas entre as tuas insinuantes curvas, toco-te no olhar. Sorrindo-te, apaixonado pelo teu cheiro de milhares vozes. De ti, das pessoas que vivem em ti, da pessoa que és. Completam-te, nesse teu jeito, no único que importa.


Gosto de te ver assim, completas uma parte diferente de mim, porque és diferente. Eu, que me perco a cada instante que me relembro. O comum que agora nos une, a empatia de pessoas que vive em ambos, algures.


Não toco na despedida, nunca existiu realmente. Um dia partirei e tu cá estarás, abraçando os próximos loucos amantes. Eu sou este.


O teu tesouro, o que trago constante no pensamento. Banhar-me no teu ouro pó. Cintila a dourado entardecer, o beijo que trocámos, as mãos enleadas, as que formam traços, nós de nós… para nós.

Ofusca-me a tua luz de noite, na tua escura parede, acusando o brilho de luar. Nosso, unicamente nosso.


Sussurro-te este nosso caminho secreto. Todo o teu corpo na cidade, todas as avenidas em ti… vejo toda aquela que me desvendaste. O nosso caminho é diferente, o nosso andar é outro, o ritmo de passeio inventámo-lo. As palavras de outro dialecto, algo que carregue o teu peso.


Não encontrei melhores palavras para te descrever, tudo o que sinto por ti. Sei que tu, cidade, me amas. Tu, mulher cidade. Lembro-me de ti, aos meus olhos és. E ser tem muita razão… de ser.
imagem: Marco Neves