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domingo, 25 de junho de 2006

Podias tu

Podias tu ter ido um pouco mais além daquilo que te era permitido
Podias tu ter criado algo mais em ti, não apenas para os outros
Podias tu pegares em mim, carregares comigo nos teus braços, naqueles dias em que até a alma me pesava



Podias tu teres sido mais, mesmo que nunca te tenha pedido nada
Podias tu seres também homem como eu sou, eu mulher como tu eras
Podias tu não teres pensado tanta vez que eu te iria deixar, sem que me incomodasse esse teu olhar de derrota

Podias tu nunca me pedires para parar, mesmo quando querias que avançasse
Podias tu teres um passado vincado, assim como as rugas que te provoquei
Podias tu comparares-me a toda a gente, sem que me incomodasse de todo, pois sou a única pessoa que assim é


Podias tu dizer-me todos os dias que, de facto, eu exagerava na minha reserva com o mundo
Podias tu arrancar-me à força da cama, apenas porque avistavas qualquer coisa de diferente no jardim

Podias tu quebrar comigo todos os laços que nos ligassem ao que era térreo, e depois ver-te por entre as sombras a segredar o meu nome às árvores
Podias ao menos parar de fazer esse barulho irritante com a cadeira?
Eu já nem sei por onde começar, e a roupa que começa a empilhar num canto que deixaste vazio em mim


Podias tu ao menos ensinares-me a fumar decentemente, sem nunca te rires da cara feia que faço
Podias ao menos fazer um esforço e esboçares um sorriso, por mais leve que fosse, quando os meus olhos procuravam os teus

Podias tu derreter todo o gelo no meu corpo, sem nunca receares o fogo
Podias tu parar de dizer o que eu poderia ter feito, para que eu pare também
Podias tu querer mais, sem ter de pensar que tudo seria de menos
Podias tu refutar todo o meu sentir, sem que o teu ar malandro me fizesse contestar

Podias tu não me teres deixado tanta vez no silêncio na tua ausência de palavras e actos
Podias tu ao menos teres consciência quem sou eu, porque na realidade eu sou o que és
Podias tu quebrares a cara mais uma vez sem que eu fosse a muralha
Podias bater-me com força assim como as ofensas que te proferi e nunca desejares que me aleijasse


Podias ter-me oferecido menos coisas porque o que realmente me importava eras tu
Podias ter sido tu a escreveres-me as mesmas palavras que te digo
Podia eu não falar na segunda pessoa do singular, porque seria igual
Podias tudo mas não quiseste...
Eu assim quis.

terça-feira, 20 de junho de 2006

Quando um olhar...


Olho-te, olho-te e não me canso de te olhar... vejo-te, sorrio e estremeço dentro de mim.
Por te olhar, por te ver...
...e tu, vês-me?
foto by: Marco Neves

segunda-feira, 19 de junho de 2006

Assim foi...

Está tanto frio… As duas trememos de tal maneira, que manta nenhuma nos aquece. Tens uma ideia… vamos tomar um banho quente, juntas. Aceito.

Não é a primeira vez que o fazemos, mas, enquanto me dispo, olhas-me de uma maneira diferente… Também reparo nos teus seios, de facto são mesmo bonitos, penso como será tocá-los com a minha língua.


Enquanto tomamos banho eu tento não te olhar, perguntas-me se quero que me laves as costas. Pensei em dizer que não, mas o que saiu foi um sim. Sentir as tuas mãos suaves, tão diferentes das mãos de qualquer homem… Que raio se passa comigo?! Acabamos o banho, apresso-me a vestir, não quero que notes que quero olhar para ti, mas parece que fazes de propósito, entras no quarto apenas com umas cuequinhas roxas, todas rendadas e pedes-me para te ajudar a cortar as unhas.

Que merda, estou a tremer, mas porquê?? Refilas comigo porque ficaram com biquinhos! Saio apressadamente, não compreendo o que penso. As horas passam… mais tarde numa brincadeira com amigos, dizes-me algo que eu não gosto, dou-te um estalo. Mas porque raio te dei eu um estalo? Isso faço aos gajos quando me chateiam, não a ti, que és minha amiga. Dizes que te vais embora, peço desculpa. Desculpas-me. Voltamos a casa de mãos dadas, tão inocentemente…



De volta ao quarto encontro-te a brincar com uma pinça, começas a tirar alguns pêlos que tens nas pernas, eu digo-te que nunca gostei disso, que me doí. Propões ensinar-me. Começas então a tirar um por um, chegas-te um pouco mais acima, levantas a minha saia, pergunto-me se verás mesmo algum pêlo nas virilhas ou estarás a tentar provocar-me? Tudo isto se torna confuso. Sinto-me a ficar excitada. Será que tu também estás?? É demasiado confuso, dás-me um beijo suave na face, sorrio, mas vou-me embora.

Chega a noite, vamos ter com os amigos, tudo isto não me sai da cabeça, bebemos uns copos todos juntos, abraçamo-nos, brincam connosco. Do nada, dás-me um beijo na boca, sinto os teus lábios finos, lisos, como de todas as outras vezes, mas hoje apetece-me mais, sentir mais…



As horas passam, entre sorrisos e copos, acabamos cada uma em sítios opostos com companhias masculinas, mas sempre com aquela sensação estranha. Sei que também pensas o mesmo.

Voltamos a casa… vamos dormir juntas….

Conversamos um pouco sobre os nossos companheiros da noite, rimos juntas ao segredar o que menos gostámos. Ficámos com sono, apago a luz… Passas os teus dedos na minha cara e por fim seguras-me a mão. Adormecemos assim…

Durante a noite acordo com a minha mão sobre o teu ventre e a encaminhar-me para baixo. Abro os olhos, apercebo-me do que estou a fazer, assusto-me! Viro-me para o outro lado e adormeço com a certeza que amanhã será um dia normal.

Assim foi…


by: quebra-luz

sábado, 17 de junho de 2006

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Pelo espelho vejo infindáveis memórias
Vejo-te consumir a tua própria alma
Lutar contra o que te rodeia
É um retrovisor
Um passado para o qual não quero mais voltar
Uma tempestade… daquelas bonitas
Onde os trovões são oxigénio que me fazem respirar
Onde a chuva fria se transforma em lágrimas
E onde o vento não me leva para lado nenhum…
Vou para o fim do autocarro
Espero a chegada à estação de saída
Sinto que saberei quando lá chegar…
E então vou levantar-me
Vou saber sair da porta

E… respirar!

by: lamparina

quinta-feira, 15 de junho de 2006

Assim, dentro de mim


Saio de casa, com a mesma pressa que tenho a despir-te. Suspiro, caminho, acendo um cigarro apressada. Vejo o meu reflexo no vidro do autocarro. Lembro-me da tua cara, já tenho saudades tuas meu sacana.


Apresso-me, corro, escorro pelas pedras da calçada. Lembro-me constantemente da forma como me excitas. Olho para aquela parede enquanto passo por ela, e tanto me apetecia que me encostasses com força. Agarra-me, explora-me.

Aqueço, ainda nem cheguei onde já deveria estar há horas. Assaltas-me, eu deixo que me invadas assim. Apetece-me, faz-me gemer novamente. Quero-te chamar nomes, pelo teu nome.

Encosto-me a um canto, imagino que a minha mão é a tua. Ohhh! Não acredito que o tenha feito aqui! Entre uma sombra e um recanto, lembro-me das tuas mãos, como sabes onde me tocar. Tiras-me do sério, deixas-me tão louca.

As horas passam por mim, assim como as luzes da cidade. É tarde, quase noite. Sinto-me cansada, fustigada pelo dia. Apetece-me chegar a casa quanto antes, ter-te à minha espera. Quero ser cabra contigo. Quero fazer-te pedir por mim. Pede… pede!! Peço que me peças.

Apetece-me saborear-te assim, toda a tua pele. Vincar-me toda em ti. Desejo dar-te banho, és o meu menino. Gosto de te sentir todo, tal como és, cru e nu. Agora apalpa-me, sem pudor. Esquece as palavras, ama-me só como tu sabes. Trato-te como um rei, faço do meu corpo a tua bandeja. Dá-me o que eu quero.

Dá-me agora que o dia passou. Quero-te despido, dá-me calor. As tuas mãos…

aqui…

e mais aqui…

e depois aqui…

Desliza, escorrega para dentro do meu íntimo. Bebo da tua água, com mais sede fico, de ti. Desarruma-me, desmancha-me em mil peças. Tens 15 minutos para me dar tudo, de uma só vez. Hoje sou a tua mulher, aquela que manda em ti.

Leva-me para a mesa…

Pede por mais…

Peço por mais, quero mais de ti. Sempre mais. Enche-me por completo.

Amanhece, acordo, corro, beijo-te e volto a correr para a rua, da mesma forma como quando te dispo. Volto a correr, a escorrer, esvaindo-me de prazer, enquanto ando na rua e penso em ti…

É assim que te sinto, dentro de mim.

segunda-feira, 5 de junho de 2006

Poeta de Vão de Escadas

Do cimo daquelas escadas descansei uma tremenda insatisfação por não mais me conseguir controlar.
Do cimo daquelas escadas gelava-me o vento um lado da face, a outra derretia ao Sol.
Do cimo daquelas escadas, por entre pastilhas coladas e beatas abandonadas, havia luz que
se via ao longe, meus olhos que morriam de desespero.
Do cimo de qualquer topo, de qualquer lugar que fosse ou sentisse…

Foi no topo daquela escadaria que por entre as arvores surge a causa de tanto pânico.
Foi ali, como noutro lugar qualquer que se torna especial que me senti como as próprias escadas.
Do cimo daquelas escadas em que te sentaste ao meu lado, vimos acima de qualquer topo… bem acima de nós.
E por muito que pudesse dizer ou por mais que pudesse cantar, nada me encantou mais que a alma do teu olhar.
Tão mais simples é olhar-te.. e que eles falem por mim. Pois mais não sou que um amante desta errante dor de não conseguir falar sem ser com as mãos, sentindo-me tão pequeno quando olho para ti... mesmo que seja no cimo das escadas
imagens: Marco Neves

quinta-feira, 1 de junho de 2006

Aviões


A noite alongava-se, lentamente, de uma forma serena. Apesar de já não ser propriamente uma criança, ali estive entretido, embrenhado e esquecendo tudo o resto, num momento tão significativo para mim. É, ao final de tantos anos, que aquele pequeno sabor do momento me sabe tão bem, no presente. Este sabor da lembrança talvez me saiba a mais, devido aos caminhos que entretanto as linhas da vida me designaram. Traçaram-se certos caminhos e neles muitas sensações que ficaram, posteriormente, por explorar. Hoje dou por mim apaixonado por aquele momento, gozando de satisfação pelo que ficou em bruto e por recordar. Acredito que foi agora a altura certa para me relembrar. Não foi opção, simplesmente tinha de o ser. Sinto-me radiante, tal como me senti quando olhei para aquela rua, pela última vez.

Não me lembro de ter arrancado tanta folha de um caderno em tão curto espaço de tempo, se bem que ali o tempo não contava para nada. Nem o tempo, nem ela e muito menos eu.

Fiz daquela janela um posto avançado de todo o meu mundo, mirando as luzes de uma rua de acesso a garagens dos inúmeros prédios, passeios e caixotes do lixo. Um manto de alcatrão envelhecido que acusava o que era ter nascido para ser uma rua de segundo plano. As consciências agitam-se na turba das grandes avenidas, ao ritmo do passar dos dias, uns mais efusivos, outros nem por isso. Naquela rua que não cheguei a ver o seu amanhecer, talvez o mais glorioso e resplandecente de todos, pelo menos para mim... e isso é o que realmente importa.

De uma janela do 2º andar, igual a tantas outras, daquela linha interminável de prédios, debruçava-me do parapeito para a rua. Ouvia qualquer coisa num velhinho walkman da altura em que a cassette reinava. As pilhas cansaram-se, esgotadas até à exaustão. Roguei-lhes uma praga por me deixarem no silêncio. Hoje tenho noção de que foi o melhor que poderia ter acontecido.

Peguei no meu caderno e tentei fazer mais um dos meus bólides de sonho de rodas gigantescas e de linhas fluidas. Rabisco atrás de rabisco, entretinha-me enquanto esperava pela impaciência típica de quando se tem sono. A luz de uma janela mesmo à minha frente desperta-me a atenção. Reparo no movimento dentro daquela habitação, vejo o vulto de alguém. O cortinado não me permitia ser mais que um mero voyeur acidental, mas não menos curioso. A luz que se apaga e a minha atenção dissipa-se ao fim de escassos minutos. Volto ao meu bólide super moderno, hiper desportivo. A impaciência ataca-me lentamente, nota disso são os pontos escuros que distribuo pela carroçaria, eram marcas de balas.

Suspiro por nada em especial, apenas porque ali estava esperando por nada. Para minha surpresa, naquela janela que se tinha apagado, uma rapariga passeava o seu encanto pelo ar da noite. Sentada no parapeito da janela, mostrava-se para uma rua desinteressante e despida de qualquer coisa que nos fizesse parar. Exclamei um “hããã!!” bem audível no meu interior, quanto ao bólide... que raios era essa porcaria?

Continuou ali sentada no parapeito enquanto eu a olhava. Apetecia-me. Não a incomodou, talvez por eu lhe ser indiferente. A mim agradava-me aquela imagem, sendo o resto do mundo insignificante. Não posso negar que a quis naquele momento. Sim, ali mesmo onde ela estava, na sua janela e somente ali.

Não entendo porque o fiz, simplesmente lembrei-me e apeteceu-me fazê-lo. Partilhei com ela o meu gosto por aviões de papel. Captei a sua atenção. Muita revista das Selecções Reader’s Digest desfiz eu em aviões nas escadas do sótão da minha casa. Ali, naquela janela, desfiz mais de metade de um caderno A4 de linhas.

O primeiro avião despenhou-se de forma vertiginosa no passeio mesmo por baixo da minha janela. Elaborei um com mais empenho, até tinha flaps. Voou até ao outro passeio, foi bom ouvir o barulho que fez ao aterrar. Tinha chegado até ela. Olhou fixamente para mim. Parei congelado. Partilhando aquele nosso silêncio absoluto, olhámo-nos. Saiu do parapeito e desapareceu. Produzi mais um avião e fiz dele um último gole que se dá numa bebida de uma noite de bebedeira. À saúde de todos os aviões que construí e peguei fogo nas escadas do meu sótão.


O único voo que fez, acabou em cima de um carro estacionado na rua. Outro avião que cai no alcatrão e não era o meu. Ali estava ela de novo com uma resma de papel. Os dois debruçados nas janelas, frente a frente, numa sessão de aeronáutica experimentalista de uma noite de Verão. Avião atrás de avião, sorriamos que nem uns perdidos. Mais aviões, mais, mais e muito mais! Tanto papel que gastámos e a rua por baixo das janelas alegremente decorada pelos traços brancos dos aviões. Ali ficámos, no nosso fio de tempo.

Despediu-se de mim com um breve aceno e soprou-me um beijo. Eu sorri, estendendo a mão como se o apanhasse no ar, até que a mesma encontrou o meu peito. Fechámos as janelas. Deitei-me numa cama alugada e tanta pergunta que me fiz, fechado naquele quarto. O sono venceu-me de imediato. Hoje, nenhuma das perguntas continua a ter resposta. Não têm de ter, nem tem de haver qualquer tipo de pergunta.

Amanheceu e entretanto acordei. Vesti a roupa para aquele dia, continuei a viagem que estava a fazer. Não olhei pela janela do quarto porque não me queria despedir, nem queria que a rua fosse diferente.

Ainda alegrando os nossos jovens sorrisos, pelo menos enquanto quisermos, eu sei... eu tenho a certeza que os aviões continuam lá.


imagens: Marco Neves