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quinta-feira, 30 de novembro de 2006

Tu Sabes Bem Melhor

Negro manto
Truque escuro
Obscuro do absoluto
Absurdo movimento
Estanque, a seco
Não consigo aguentar mais
Na tua luz
Sob o teu esplendor
Sem ti




Teu aroma cânfora
Jazigo em meu coração, trancado
Sou eu uma resma de mim
Ofereço-te em rasgos, ternuras
Escura e negreira, a nocturna
Não consigo aguentar mais
Na tua presença
Constante no teu abraço
Sem mim




Tua raiz que agarra o terreno
Embrenhada no meu sólido presente
Em pena te escrevo
Riscando tuas folhas, a cada linha
Sem retorno no entorno
Não consigo aguentar mais
A volúpia que me persegue
Nas tuas infinitas curvas
Sem nada




Melodia sangrada
Acordes em lapsos profundos
Voz em perdido sentido
Encontrado está, em cada toque meu
Na fria superfície, nesse espaço em ti
Não consigo aguentar mais
No medo que me assiste
Embalado no teu olhar
Sem o que seja

segunda-feira, 27 de novembro de 2006

Profissional

À pele da tua imagem, amarraste-me no teu amargor. Encontraste partes de mim, desaparecida que estava. Esquecida num apeadeiro. Nem deste por conta. Fere-me, arrasta-me pelo chão. O cheiro, no rasto que te trouxe até ao meu paradeiro.

A tua frieza, dura e calculada. As nódoas que me causas com os teus lamentos. Desculpo-te por seres assim, no teu próprio mal. A tua avassaladora guerra, desgastante. Quando ficas nessa passividade do momento, pautado a pouco sabor. Sinto-te por toda a parte, e tu sabes tão bem como é difícil suportar todo este ar, sozinha.


Cheguei no momento errado. Olhei-te nos olhos, aqueles que tens quando estás transtornada. O teu desejo era que nem tivesse reparado que ali estavas. Tentei transmitir-te que me sentia a pior pessoa daquele momento. O enjoo de viver era enorme, foi difícil suportar-me durante um dia inteiro. Por vezes não consigo lidar com as minhas próprias mãos.

Ali estavas, no teu canto, exigindo seres ignorada. Paciente, esperei por uma palavra de compreensão, um gesto que fosse. Na tua sede, esperavas que eu tomasse finalmente o papel que me competia.

Juntei colagens, memórias desavindas. Decorei a deixa, acertei o relógio com o bater do teu coração. Dissolvi-me em venenos não catalogados. Vesti-me na pele que me desejaste. No entanto, metade de mim amargurava por não me ouvires.


Começaste por me matar no olhar, na tua vista turva, cega, de predador. Senti a violência na tua transpiração. Esperei-te, morri ao teu primeiro toque. O medo do teu sufoco, na minha pele branca.

Comecei por me afundar, até sentir a asfixia com que desejavas. O teu quadril exposto à minha intempérie. Revolvi todos os teus recantos. Destruído todo o teu encanto, naquele momento selvagem. Senti-me sozinho, entre as palavras que ecoavam na minha cabeça. Gritava pela tua ajuda.

A minha fragilidade era já constante na minha pessoa. A submissa em que me torno, por tanto querer-te nessa pele. O teu olhar, vazio de mim. Não me olhas porque não me vês.


Sofro de cada vez que entro em ti. Dói-me cada marca que te colo à pele, na carne, até à alma. Destrói-me o fogo, a repulsa por te esqueceres que a turva vista não me permite olhar-te.

Não me olhes.

Não te vejo. Sinto outro corpo que não o teu, por baixo do meu. Não estou em mim, nem te sinto aqui. usas-me no teu imaginário, como teu escape.


Usa-me.

Recuso-me.

Iludes-te.

Magoas-me.

Sinto-me segura nas tuas garras, nas presas de quem me quer. Devoras-me na alma, com o teu respirar. Segura-me com força, como rochedo no mar. Aleija-me bem lá no fundo, na mordida que me infliges.


Impostor papel que assimilo a cada instante. Entra dentro desta pele, ao contrário da vontade. Não sei a quem doa mais… não sei.

Explora-me até que não suporte mais esta consciência. Desejo que me faças chorar. Eu mereço que me trates assim. Continua junto de mim, no término de tudo.

Deixo de ligar aos gemidos que oiço, na curva a que obrigo o teu corpo vergar. Cedes. Explodes. Consumas. Finalizas, até à última gota.


Voltas ao corpo que te pertence, deixando ao abandono todo o teu não querer. O meu verdadeiro castigo, obrigado a fazer todo o meu papel. Entra-se numa fase, num campo de cinzas. No acre cheiro que me chega ao sentido, transformo-me no que sei ser, profissional de ti.

Clamo por ti, pois só tu sabes fazê-lo. Na entrega, estendes-me em todo o comprimento da dor. Na devoção por chamar o outro teu lado.


É um exorcismo, uma dádiva. Um suplício enquanto decorre. No fim, quebra-se o silêncio com o ruído do isqueiro. O som do cigarro que arde. A visão lentamente deixa de ser turva. O veneno deixa marcas, demasiadas.

E quando ficas na cama, entre a sombra que persiste em não abandonar o teu rosto. Os teus olhos voltam, flamejantes. A incandescência do meu amor que volta.


E quando fico na cama, tentando romper o que ainda me prende. Esperando pelo teu último grito, que seques e morras. Quando largas a palidez e voltas a ter cor. Quando não cheiras a puta, à morte que nos separa.

Volto eu ao que sou, continuando a sentir-me a pior pessoa daquele momento. O dia foi ruim. Talvez agora me ajudes no meu problema.


Atas-me ao teu peito. Envolta nos teus braços, sussurras-me bem devagar o mal que trouxeste do dia. Cuido de ti, porque só eu sei o que é bom para ti. Ficas nas minhas mão, e eu nas tuas. Só nós sabemos o que somos.

sábado, 25 de novembro de 2006

Negro

Apetecia-me riscar-te a negro

Pintar-te para não te ver

Cego




A negro manto

Esta dor

A Dor

Ei-la

E como domino, no instante




E como saboreio, a própria, tu.

Amar, é ódio.

Palavras, vãs

Insípidas.

Negro, de luto




De chegar a bom termo, eclodir no próprio olhar.

Negro, de tudo

De mim,

Para mim


Em toda a linha que me divide

A fronteira



A sós.


imagem: Marco Neves

quarta-feira, 22 de novembro de 2006

O outro que sou

Faculta-me apenas a um dos sentidos, ao sexto, a possibilidade de compreender mais além. Para mais longe depurar, alimentar este estranho ser que mexe e me revolve por dentro.

Sou eu o próprio progenitor, e assisto complacente, à aliança que todo o meu corpo permite. Tanta vez que me dilaceras o ego, nessa tua vaidade pretensiosa e prosaica. Aniquilas-me, ofuscas qualquer intenção que tenha em cortar-te a acção. És forte, eterno enquanto se tenha força para desafiar a vida.


Empurras, espezinhas, fazes com que fale, por mais que quisesse ficar no silêncio. Hoje que te ausentaste do meu sonho acordado, sinto-me vazio. Um pouco mais no vazio, de mim mesmo.

Estranha relação esta. Entre tantas faces com que te vestes, chego a temer-te, sabias? É embaraçoso estar rodeado de um mundo, e ver-te a qualquer momento, em qualquer objecto que reflicta.

Desafio-te, dia após dia, nesta constante consciência de mim, de ti. Pergunto-me se não sofro de uma demência latente. A constante preocupação em enlevar-te os sentidos. Apoderas-me, vicias-me nesta eterna auto descoberta. Tanto é, que dou por mim a escrever, na madrugada já quase extinta. Acordas-me em sobressalto, a tua voz na minha cabeça. Fala-me. Escreve-me. Sente-me.


Sacana vaidoso e presunçoso. Tiras-me do sono, cansas-me. Levas-me à derrocada física e mental. Pára! Infectas-me de palavras, escritas em negra tinta. Injectas-me em vontade de debitar-te no papel, no tamanho do mundo. Voltarei a adormecer, após o prazer. Teimando em não admitir que desfruto num gozo enorme. Pouco seria sem ti, ambos não sabemos equilibrar-nos numa outra espécie de viver.

Troca-me a volta, a fronha engelhada de tanto aterrar as ideias. Os pés frios, fora do lençol. Excitado, até que seja consumada a satisfação que me assola.


Acendes um cigarro, da mesma forma como eu faço. O papel branco, roça entre os lábios carnudos, humedecidos na ânsia ardente. O extremo da língua, molha a sua base. Roda-o, na tua boca, entre os teus dentes. Aperta-o ao de leve. A pausa, o primeiro momento em que o sentes. O ritual de olhar para a ponta incandescente. Fixas o vazio infinito, ao primeiro arquejo.

Acendo-te, iluminas-me. Dou-te vida nas palavras, dás-me na alma. Dou-te carne, ofereces-me prazer. Entrego-me nas tuas mãos, e nas minhas dou-te a cor de mim.

Obrigas-me a admitir que gosto de ti. Nutro em especial sabor, partilhado num sorriso malandro. Criámos, construímos, fundando um Universo. Explicam, teorizam a nossa existência. Somos catalogados, e com desdém, conduzidos à loucura infame. Não tomo por concluída esta viagem, seria condenar-me a uma morte mais prematura do que será.


És bem maior que a minha condição. Desculpa-me por não te poder ser eterno. Traz-me o sonho de volta. Necessito. Agora.

segunda-feira, 20 de novembro de 2006

Um no outro

Adorno-me com a importância que me dás. Colado na tua memória, à tua pele, chego de mansinho, desprendo todo o desejo que cultivo aqui. Entre a palma da mão e o coração de sentir.


Na minha mão trago mais que desejo. Um pouco de mim, um pouco de ti. Misturados no mesmo recipiente. Esperamos só numa breve pausa de tempo, o suficiente para inspirar. Desenformamos o que de nós misturámos. Ingredientes inextinguíveis, esse teu açúcar, a frutose da tua seiva na minha boca.

Penso que foi num dia assim, semelhante na luz. Sentado ao sol, aquecendo, dilatando o que me corria por dentro. Ideia de te querer, mais até que o próprio querer. No rosto que tens, esboço de sorriso.


Contaste-me um pouco da tua história. Eu fui pintando cada traço de ti, no meu imaginário. Contraste em contraste, encontraste-me. Procuraste e olhaste, a tua vontade era consumir-me, entrar e ficar em ti. Quebra a barreira e vem, chega-te, cola-te. Vem, e faz-me chegar, mais um pouco.

A tua pele, rubra em desejo. Queimo a minha língua em cada parte de ti, morro e renasço a cada instante. No silêncio que escurece o dia, olho-te com a mesma fome. Tomo de assalto o teu umbigo. Espraio por todo o teu corpo, humedecendo cada recanto que existe em ti.


A tua língua que traz à minha, intenções de posse. A tua boca que fala na voz do corpo, este que já nem sei a qual de nós pertence. Desliza bem devagar, ritmado, como o êmbolo que nos faz mexer. Eu em ti, tu em mim. O meu no teu, a tua na minha.

Latejante, palpitando a cada instante, na lúbrica investida. O lençol que enreda e cola. As mãos que agarram e empurram. No gesto cru de agarrar o teu cabelo. Força, dá-me com força. A voz não controlada, na escalada em devaneio, no culminar em êxtase.


O dia que finalmente morre sobre os corpos, cobertos pela quietude que a noite traz em si. Beijamos o único sentido que existe, nós. Na voz quente, encostado ao teu ouvido, provocando pequenos espasmos. Continuando a mesma linha a fio de amor, que nos une. A paixão desmesurada de viver, prosseguindo, um no outro.


Continuamos…


quarta-feira, 15 de novembro de 2006

Porto Mulher

Caiu a gota em mim, essa tua tão cheia de invulgar magia. Desperto na ânsia de me sentir entre as tuas pedras. Esvaído nas tuas vias, antigos caminhos por que me levaste, no teu passeio convidativo, entre ti.


Sonhei-te em tanto tempo, deixando de viver só em mim, a vontade de te abraçar. Vi no rosto que me mostraste, senhora antiga de histórias. Burguesa cosmopolita, acusa em cada lado, em cada esquina, o espírito de união e cerco. Braço com braço, mão com mão, a vontade em força. Valores de plebe, entregue no teu carácter de nação.


Abracei-te quando te senti entrar pelos meus sentidos. O teu sorriso de menina senhora, o profuso e antigo, a majestade que me és. Vestida do maior vislumbre, despi-te no primeiro instante. Eu quero ver-te sempre assim, na quente e rude nudez, feita de diferente sentir, diferente olhar.

As tuas tintas, o sabor da tua luz em escala cinza. Sinto o teu verbo, amar-te. O Verão de Outono no teu sublime enlace. A tua pedra, o teu ferro, a vidraça que se inclina para a água. Entendo porque me arrastas entre as tuas insinuantes curvas, toco-te no olhar. Sorrindo-te, apaixonado pelo teu cheiro de milhares vozes. De ti, das pessoas que vivem em ti, da pessoa que és. Completam-te, nesse teu jeito, no único que importa.


Gosto de te ver assim, completas uma parte diferente de mim, porque és diferente. Eu, que me perco a cada instante que me relembro. O comum que agora nos une, a empatia de pessoas que vive em ambos, algures.


Não toco na despedida, nunca existiu realmente. Um dia partirei e tu cá estarás, abraçando os próximos loucos amantes. Eu sou este.


O teu tesouro, o que trago constante no pensamento. Banhar-me no teu ouro pó. Cintila a dourado entardecer, o beijo que trocámos, as mãos enleadas, as que formam traços, nós de nós… para nós.

Ofusca-me a tua luz de noite, na tua escura parede, acusando o brilho de luar. Nosso, unicamente nosso.


Sussurro-te este nosso caminho secreto. Todo o teu corpo na cidade, todas as avenidas em ti… vejo toda aquela que me desvendaste. O nosso caminho é diferente, o nosso andar é outro, o ritmo de passeio inventámo-lo. As palavras de outro dialecto, algo que carregue o teu peso.


Não encontrei melhores palavras para te descrever, tudo o que sinto por ti. Sei que tu, cidade, me amas. Tu, mulher cidade. Lembro-me de ti, aos meus olhos és. E ser tem muita razão… de ser.
imagem: Marco Neves

domingo, 5 de novembro de 2006

sábado, 4 de novembro de 2006

Dois cafés e uma água tónica, por favor.




- Então? Não me pareces com boa cara.

- Olha, mas nem tenho muito de me queixar.

- Não me digas, padeces de Amor.

- Pois é...

- Essa merda de vício.

- Também não exageres.

- Não ressacas?

- Sim.

- Não é dependente?

- Sim...

- Não te provoca alterações de humor, suores frios, nervosismo e entre outras coisas?

- Sim......

- Não é deliciosamente viciante?

- Sim.........

- Não é letal, fatal? Não te faz gritar? Não te faz querer correr? Não sentes o perfume, cheiro, sensações? Loucuras e noites de insónia?

- SIM!

- Então estás no bom caminho...

- Uma overdose, que achas?

- Sim! Vai e morre.

quinta-feira, 2 de novembro de 2006

Tão Certo Como Hoje

Hoje, na tua ausência, fiz de mim uma sombra que se esconde na mesma. Não dei permissão à minha vontade de rasgar as nuvens.

Hoje, no momento em que me senti disperso, fiz votos de um silêncio, inalterável ao longo do dia. Não demonstrei qualquer emoção frente ao espelho, fechei os olhos. Pensei tanto em ti para conseguir aguentar.
Hoje, dia em que o nada tanto se instalou entre as paredes. O fresco do tempo que me invade, pela janela aberta. Imagino-te aqui, beijando-me na mesma frescura de ti.

Hoje, entreti-me a contar os dias que já passaram, mais os que estão ainda por passar. Arrastei-me junto com as nuvens. Fui com elas, até onde os olhos me permitiram.
Hoje, dia em que apaguei o teu nome da parede. Pintei-o de novas cores, de mesmo gesto.
Hoje... Hoje... o tanto que Hoje foi, mesmo sem me sentir nada de especial.
Hoje, não me apetece viver a noite. Desejo que Amanhã chegue, para que se torne Hoje.

Hoje, a tua voz congelada no timbre, na graça que traz o teu nome ao meu sorriso. Falei-te de mil coisas, preenchendo o tempo em que tudo o que se possa dizer, não compensa apenas ouvir-te no outro lado.
Hoje, nos movimentos pautados por um emergente desconsolo e desprezo pelo terreno. Risquei o fio de horizonte, na tentativa de chegar a ti... a ti... a ti...

Hoje, na força do vento que me ascende, até ti. Minto sempre que te digo que está tudo bem, mas eu sei que vai.
Hoje, tanto que o teu abraço seria tudo o que necessitava, para enfrentar esta condição, a de Hoje.
Hoje, perdi-me nas horas da manhã. Fui respirar-te por todo o lado. Por muito que o peso do caminho me vergue, estarei sempre no início. Esperando para te trazer de volta para casa.

Hoje, com honra de te sentir, vesti-me de saudade.