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sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Chave

A chave…
Porta que abre e me deixa passar
Deixa, mexe, desencarcera
Tranca, gazua que embuste corroeu
Doeu, mordeu, gastou-se

É bisagra…
Charneira de vaidade
Dança na linha da luz que invade
Cega-me nos olhos, na mente
Permite-me entrar

Fala a falha…
Gota a gota na fresta
Na testa de quem pensa
Quem te faz aberta
No que te torna absoluta

Encosta a porta…
Ela dizia-se pintada de fresco
Fazia-se forte, completa, agreste
Ela, a que me impede
De a fechar em mim

No trinco…
Sarcófago, sacrifício de respirar o pó
Mentindo, falava-me mansa
Na esperança de me enterrar
Entre os ossos da paixão

O batente ausente…
Será a disputa de nós o caminho
Clamo pela luta dos corpos sequiosos
Aparas, lascas desprendidas do teu cabelo
Soltas por mim, ruindades gostosas

Diz-me à janela…
Que o meu nome é queimado a quente
Perfilado, laminado substrato
Endurece-me a vontade, lateja em humidade
Conferir formas ao desejo

Chama-me à ombreira…
Conclui o resinoso prazer que me ocupe
Verte-te em cola, composta em mim
Querer-te ao fundo da sala
Dizer-te parte que me és

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Mariposas

Possa conjugar-se o silêncio às mãos que unem o tempo, alienar-me do conjunto de dores para me refazer. Sem a clausura do choro a sós, lamentar-me seria um acto mesquinho. Quero tudo o que está para além da simples sombra perene da vida.

Queira a corrente levar-me de volta para a imensidão da cabeça perdida de sonhos. Faria aqui, agora e para sempre, o meu império das mariposas. Sentir-me-ia alado, composto orgânico, volátil à imensidão do mundo expedito.

Faça uma manhã Outonal, o mesmo efeito do beijo de uma mulher aranha, acreditar que sou possível entre os outros. Haja uma crença ainda por conhecer, fazer-me a espera num beco escuro e sangrento, aguardando a minha passagem. Iluminem os candeeiros o tapete vermelho que me estendem para o fundo da rua. Alumiem a minha própria falta, sem que tenha a saudade maior perna que a lembrança.

Sigam as palavras em destino contrário ao que escolhi, não quero saber. Nos voos nocturnos, de pele espartana e desenhos simétricos, ileso à clemência de me esbarrar numa parede, cresce-me esta vontade de matar o mal.

Meu bem, meu querer de azul cobalto, exíguos espaços do meu maior fundo pedem por uma gota de doçura, um alimento incerto, um tormento presente. Despedaçando a névoa em cada bater de asas, desenlacem-se as amarras, queixem-se as vozes caladas. Sôfregas melodias declamadas na voz de uma sereia. Não oiço mais, porém a surdez é fantoche do imaginário. Circulando pela encenada luxúria, encerram-se as janelas da maldita noite. Há uma mulher que escuta o zumbido dos voadores perdidos.

Construam-se as mãos, ergam-se os lábios dos amantes. Sou-o na noite, observador dos térreos e submissos, os felizes do incrédulo. A linha é curta, famigerada consideração, enaltecida por palavras tão vagas como estas. Não me condenso, disperso-me pelo acaso, sem ter um sustento que me alimente.

Mate-me a pobreza, desde que o espírito enriqueça. Leve-me a intransigência do destino ao decepar das mãos, não me escreverei por linhas paralelas. O meu império de trono emplumado, convexo ao Sol da meia noite, espera por horas de luz, àquela que me criou. Espera-me a vida, crivada a botões de rosa, espinhosa e contida no apanágio da carne vivida. Sinto-me devagar, sem mais levar a pressa comigo.

domingo, 16 de dezembro de 2007

Acendalhas

No istmo do meu corpo, acalento a vontade de me cuspir em inferno. Expelir-me em seiva bruta, nesse teu rosto de menina recatada. Não me apetece nada como antes te dizia, acariciando o teu corpo, como nervuras do delicado prazer do deleite. Dói. Dói-me continuar a reter, aqui dentro. Concentra-se a vontade ao mínimo mal da tua presença.
Não te quero. Quero-te apenas.

Nos aceiros criados no teu corpo, a fronteira delineada pelo teu fogo, a minha boca traz à tua pele o limite do tempo, entre as tuas pernas o contrafogo, contraposto, contra o corpo um do outro. Sem nada contra. Ao contrário, abafar a labareda com a língua, retirar-te o ar com a boca. Será o vácuo um sinal de te engolir, sem palavras, de lamentos esquecidos à tradução possível dos movimentos ritmados.

Não quero. Apetece-me.

A saliva é centelha que escorre, que se mistura na penetração do corpo. Sim, meter, enfiar, comer com os dedos. Lambuzo-me até à medula. Crepita-me a vontade de me fundir à terra, enterrando a raiz na brasa, o pau no barro, o aço na frágua.
É o diário de um incendiário que vê nos teus recantos, uma senda a procurar. Desejo ver os teus seios a arder, secar-te toda a àgua, tragar-te toda a fonte. Seria carbonizar o sexo, sem a frouxidão das palavras, sem tê-las, tendo-te.
Não quero. Quero muito.

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Carta De Um Amor D'aqueles...

“Amor, chamo-te assim desde que entraste por aquela porta. Leve, sorridente, no perfume de bela que és. Demasiado seria pensar na tua paixão como a razão de olhares para mim. Quero-te, quero-te muito.

Amor, chamo-te assim, cantando-te todo o nome que me és, meu amor. Escrevo com a certeza de que nenhuma palavra fará jus a ti. És tão mais que qualquer mortalidade. Perdi a noção de ser apenas alguém, indiferente, translúcido, no momento em que me sussurraste em toda a tua sede de mulher, que me querias, ali no momento.

Amor, sou-te por inteiro, de igual partilha, teu. Não te sinto apenas como posse, és a oferenda aos olhos de um homem feliz e completo. Tenho-te aqui, vivendo dentro de mim, contando cada hora para te reencontrar. Desejo beijar os teus olhos, a tua pele, mergulhar em ti, morrer e renascer.

Amor, porque o somos, unos. Amantes que nos tornamos em cada toque, no teu cabelo, na tua boca. Sentir no calor da paixão, toda a tua vivacidade espelhada no teu olhar. Tece a pessoa que sou, nos teus beijos, a fio de ouro do teu respirar. Alteram-se os sentidos apenas de soletrar o teu nome, quero-te, quero-te mais.

Amor, sinto a ausência do agora, do quase pranto enlutado, embrulhado nesta distância dos corpos. Aparta-se a luz, esquecem-se as velas apagadas no cantinho de nós que chora. Guarda-se a voz nos hinos velados, chamando por ti, o teu nome, até adormecer. Amor, quero-te mais depressa que o dia.

Voltarei breve, de pressa que não espera, com fome de não te sentir. Amanhã estarei em ti, por ti, para ti. Na rubra pele de paixão, quero-te no fogo de nós.”


Amor, mulher minha. Escrevo-te com esta dor que me invade de cada vez que a caneta fustiga o papel. Por cada lágrima convertida em tinta, em nódoa eterna. Por tanto te amar, assim como agora, por já nem saber o que te dizer mais. Doendo, confesso-te esta fraqueza de mim, a minha pena maior, decapitando o coração, por todas aquelas palavras não serem de minha autoria. Farei das palavras do outro as minhas.
E para quê se amar-te é doer-me...