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segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Soçobrada

A insurreição das palavras, malditas sejam por me perecerem antes da frase composta. Mais tentada à vitória, satisfeita na desfeita da rebelião desvendada. Calma, nada de me saber ignóbil, imóvel razão que da minha vontade nada leva senão a vaidade de me achar leviana, na face que escorre frente à figura de quem me enfrenta. Sempre num limbo que não está mais além da ténue irrealidade da construção a que me dou todos os dias.

Não seria mais inteligente se a ânsia de querer mais entre braços, entre pernas, entre corpos, compostos de carbono fosse apenas massa vazia que tanto quero consumir. Ar respirável, entre sôfregas luzes de um pensar desmedido a que os meus dedos não se dão e muito menos acompanham, de novo, este já tão familiar não sei quê que me tira o sono. E que vontade tenho, ai que vontade tenho de me rasgar entre lenços à beira do cais, num adeus sem regresso, sem retorno ao corpo. Ai que vontade me molha os ossos de tão longe me sinto de catalogar qualquer coisa que saia de mim. E certa estou, para além de mim, existir outra, e outro, e outras, e tantos outros. E a vontade aperta-me o peito, e aqui, no frio da barriga, e mais aqui, que tanto calor sinto transpirar tão casta e segura figura criadora, tão escrava de mim.

Mais que temperatura, é alma febril trespassando a carne, e que o faço tão bem, vibrando tão comedida no gozo para fora e apenas sinto o papel, e entre os dedos a caneta. Aperto-a, violo a folha humedecendo o mais querer furá-la, queimá-la na saliva de me sentir tão viva e possessa.

Vem para baixo comigo que não te quero sem som, não te toco sem luz e a mácula aliena-me a máscara de verter-me por completo no teu rosto. Não alcanço o limite e nem assim me deixo ficar, mas assento, e sinto. Ai como sinto, entre os suspiros que o estar sozinha me dá. Consta-me que nada mais ofereces que existir entre a tua pele e as curvas do teu corpo, mas sabes como lamber o dia, distorcer as formas do meu ser, indefinindo-me a um estar mais além do concreto.

Lutas sem luto, sem remorso de te aleijares nessas farpas cuspidas a tanto fervor da latente vontade, e tão valiosa é essa língua de ouro, e tão brilhante me tornas quando me conduzes assim, daqui para ali. Dá-me o teu sorriso enquanto o teu ocaso é para dentro de mim, e tão fundo consegues ir, tão real te sinto que poderia afirmar que somos mais que um. Enquanto os teus dedos tentam parar a minha enxurrada, os meus comprimem-te a raiz do mal, e tão bem te desejo na maldade de me esventrares até nem pergaminho existir que denuncie que algum dia tenhamos existido.

Entre as nuvens queimadas, o céu tinge-se de vermelho teu nome, sede vestida a teu sonho, e com a fome dos homens regozijas. De escassez minas a minha vontade, porque mais te quero pintar. Tanta vontade tenho por sentir que me esgoto, quanto mais te dou à boca a minha figura diluída a transparências ocultas. Gota perdida no canto dos teus lábios, noutros meus, e meus são, sendo teus apenas. Fala-me na tua lábia, fingindo a mordaça ser um acessório para me dizeres tua, desnuda, permuta de veia para artéria, da noite para o dia.

A verdade é a tua vontade transcrita na pele, no teu cheiro nocturno. Um lobo que sonha com o mundo dos homens, entre as luzes da cidade e a terra fria da floresta. A vontade impera em fazer-te mais que meu, a vontade de ser tua, a vontade de te esquecer em cada linha que passa no percalço de tropeçar num galho, e com o ruído violo o silêncio, esquivares-te na bruma que o teu pêlo emana. Com o resto de homem guardado e quase desvanecido em ti, camuflado nas horas pardas das sombras, sou a tua espera, a fera, esfera de cristal que te vê. Lendo-te a sina, desejo tão maldito quanto as palavras que não existem, sem te acabar em cada fim, não pares de me querer somente tua. Actua na tua, mexe-me por dentro, onde sou crua, aqui onde tu és... só tu.