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sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

melena|mentos

Não sei. Quando a continuidade me parece mais estranha que uma aparente acalmia do vento, dou por mim a repetir-me. Nos gestos. Nos gostos. Nas lembranças. Não sei. Quando sou obrigado a comprar outra marca de cigarros, porque a máquina continua a embirrar comigo sempre que tento comprar mais de três maços. Não sei. Quando vou comprar um produto para o cabelo, pensando que tudo se resume a entrar, escolher, pagar e sair. Não. Antes de tudo, minam a paciência com um desenrolar de perguntas, como se o historial do meu cabelo fosse importante para o mundo, e parvo de mim, que me distraio com o generoso decote diante dos meus olhos. Não que haja grande razão para ficar siderado, distraio-me apenas. Começo a unir as pequenas sardas da sua pele, sobressaindo um pequeno desenho mal engendrado. Não sei. Aborreço-me e acabo a conversa de forma triste. Uso Head & Shoulders porque gosto do efeito mentol em certas zonas do meu corpo. Nada mais a declarar. Pago e ganho um desconto para vernizes e escovas para o cabelo. Encolho os ombros. De verniz só os conheço para retoques em motores eléctricos, ou quando os roubava à mãe, para terminar as pinturas secretas debaixo da cama. Não sei. Sinto que existe sempre um tanto de “quê”, de mãos dadas com um contorcido “hã”. Em certos momentos, aqueles que anteriormente apontei. Já cansado de pontuações, parágrafos, entusiasmos e enfadonhos serões, provo a noite agradável de Dezembro, parecendo-me Primavera. Não sei. Dir-me-ia morno, na linguagem corporal de um bom malandro. Crónico desvio por alcançar a madrugada, a passos largos, que não a quero de mansinho. Não sei. Não sei mentir da melhor maneira. Parte de mim deseja que rompa, outra tanta que enterre. A mim. A mim, a outra parte que sou. Não sei. Quando nem sempre me apercebo de como o tempo decorre, e na ausência, a estirpe chamada de silêncio, nada me dá em troca. Somente quando compro um frango e me dão a escolher entre molho de óleo ou molho de óleo levemente picante. Não sei. Quando a perniciosa vontade de rasgar toda e qualquer boa vontade, estrafego encardido nos lábios frios de um beco, é uma benção aos olhos ditos do enxergo. Uma vez por mês, regar a alma como em gesto pagão de oferenda à terra. Rebolar. Esgravatar. Sacudir as mãos e limpá-las à ganga, fibra de uma paixão desmesurada pela terra. Não sei. Tenho saudades do frio. De olhar para as roseiras, orgulhoso, pelos seus mais de dois metros de altura. Aguentem-se. Cresçam. Façam-se maiores que o meu próprio querer. Não sei. Quando tudo se resume a ouvir uma música. Repetida. Repetindo-me. Repetindo-a, sendo já presente neste meu gosto. Ao sol, eu, a cigarrilha, os óculos escuros. A Ginger agradece. Arreganha a dentadura devido ao fumo, abana a cauda pela companhia. Não sei. O mundo fica mais simples, pintalgado como a graça do seu focinho e a ternura dos seus olhos. Por entre os ramos despidos, um suspiro a dois. O sol aquece. Pois é. O sol aquece. Não sei. Acabo sempre por me comover nos pequenos nadas, passando sempre enviesado ao tempo já passado. É nascer-se gémeo de si mesmo, escondendo no fundo do poço, no tanque onde fazia das folhas da nespereira os trirremes da imaginação. Quando um dia souber escrever memórias, talvez caia na realidade e me sinta mortal novamente. Não sei. Talvez um dia me faça entender, sem que me estenda, muito menos me absolva de culpas pela teimosia de não me dar por vencido. Encolho os ombros, e de uma vez só, espreguiço-me por todo o pecado de não me entediar pelas noites findadas nestas manhãs. Não sei. Quando só algumas coisas sei, soltando o cabelo para a luz, demorando toda uma vida a aprender a não tropeçar nos próprios nós, que de enredos já habituei a alma. Não sei. O óleo até é bom.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

assíncrono

Aqui se prende, aprende no presente
Na lábia sabida, sentida, nua língua
Comovendo o mundo por inteiro
Um pouco de nada complexo


E simples é chegar, abraçar o sorriso
Pintar a cegueira, certa de sonhos
Revolver-te em águas, tuas lágrimas
E, ainda turvo, tragar-te


Arrancar-me de securas e demoras
Da pele ardida, deposto à desforra
No teu sopro a final de tarde
Ainda sinto, odor não esquecido


Falam os dedos por mim, a ti
Entre meandros de ardil frescura
Nervurada astúcia, nervosa espera
Pelo sonho ser ensejo à tua luz

Aqui se aprende, presente pendente
Na sábia contenda, contida, maldita
Corroendo a singularidade, a pessoa
Um tanto esguia, pouco ou nada sombria

E difícil é partir, largar tristezas
Apagar quem vê, este que não dorme
Sedimentar-te, meu bruto diamante
E tão clarividente, cuspir-te

Colar-me de efémeros encharques
Dos ossos contidos, ganhos a soldo
No silvar a madrugada ainda criança
Nada te toco, e a custo me troco

Calam-se os olhos, de ouvido à espreita
Em todo o espaço a que me destino
Destilo demoras e, matreiro, sorrir
Pelas horas, não me dar ao escuro

Terracota em coração de ferro
Moldável concreto, a tez da distância
Corre-me o horizonte nas veias
Tão perto do céu, assim longe de mim

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

saga

Despir, em boca de sede, querer morder o destino e redesenhar o traço da satisfação. Despir, da língua às palavras, do sentido ao contrário. Contrariar a vontade, refreando um pouco, só mais um pedaço de mim, em ti, e só de ti sair. Despir, na nudez da crueza do espírito, na rectidão do ir, sem se pensar na volta. Despir, como quem abre uma romã com os dedos, e dos ossos já nem saber a posição correcta. Despir, tomada de assalto, a pele de um arredio desejo.

Despir, rebeldia no corpo, sobre outro, num outro. Saber-se o desassossego mais esperto que a espera. Despir, a cabelo solto, colado ao rosto, nas rédeas das tuas mãos, dedos em freio. Despir, na saliva que se gasta e evapora, no jeito da demora, no gosto de quem se toma, ao adornar do lato enlevo, até ao curvar dos receios.

Despir, antes do toque, depois da lição, durante a atenção dada a cada gesto, sussurrar a intenção, roçando a evidência à desavergonhada condição de querer. Despir, de todo, quem sejas, se me és mais do que ser, é ter. Despir, como presságio das marcas deixadas por aí, como quem morde e diz não saber, como quem deixa solteira a saudade. Despir, de nada, porque despido sou.

domingo, 31 de outubro de 2010

passo|e|quero

A cada passo, se desenlaço e me largo ao acaso por uma rua. Podia ser tua, a pele de uma memória que perdura, no sabor a ti, na língua que te sarou a nu. Sem a turba do dia, na mácula do tardio que em mim se fez ainda antes de ser manhã. A cada passo, no desembaraço dos pés pela calçada, as penúrias penduradas em estendais, cordas latas, varandas gastas, fios molhados, beatas abandonadas.

Não é a solidão que me persegue, senão os sonhos que percedem. Escondido, no gosto pelos outros, daqueles ali, assim em jeito de luz intermitente, redonda de tom laranja, na face de uma mulher feita aurora. Descompassada, como o coração quando arqueja um gesto polvilhado de silêncios. Guarda-se a noite, calam-se as bocas, mariposas em sombra chinesa, língua pintada na tua.

A graça de um nome que se teima em aquecer na modéstia de uma fogueira de meia dúzia de tanganhos. Emaranhado coração que bate à porta da alma, sem me precisar em gesto algum, causa-me dor saber que te perco em todas as horas. À soleira da tua boca, deixei-te no empedrado molhado o virar de costas. Não existem aparências, somente a ilusória passagem pelas correntes de ar. A saudade do desconhecido nome que isto tem, providenciado, esculpido à noite, abrasado de dia.

A cada passo, se nem caibo no tamanho que tenho, senão no acaso de tomar um rumo sem pensar. Podia repetir-me, de novo, e sem novo me ser, parecendo-me ainda mais estranho, novamente envolver-me nos pensamentos em torno dos teus. Sem mãos para acenos, nem costas para muitas lembranças, sobra-me a avareza de ter a noite só para mim.

Não é a solidão que me esvazia, senão os meus olhos vazios dos teus. À mostra, a soltura de um sorriso, um beijo como a cera que escorre de uma vela. Sabendo o velho feitiço de enganar o coração, num gole, a cada passo um traço, no impasse de quem me morde as mãos, como um desejo renascido ao respirar-te no melhor de ti.

A graça de um nome, algo que lhe dê alguma razão para existir. A razão de um ritual, sem nunca ser tarde para voltar a repetir-me na tua pele, pela tua voz, descaindo este gostar para a naturalidade do lugar incomum e estranho. Quão somos, mais que punhos cerrados e espartilhos de voltas cegas de nós, em nós. Fosse o teu rosto traço luz, sombra em pele nua, e a tua condição seria outra, ver-me nascer com o sol.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

sábado, 16 de outubro de 2010

terça-feira, 12 de outubro de 2010

piet|r|á

Seria mais fácil colocar-te uma pedra por cima, revolver a terra como um cão e aguardar pelas primeiras chuvas. Não. A virtude seria saber-se a espera mais satisfatória que a acção. Em que ficamos? No zero. A lisura do travo metálico que o tempo me deixa, o chumbo na saliva e saturnismo nas veias.

Seria mais fácil arremessar-te um titã de granito. Um gesto monolítico, qualquer coisa que me fizesse perdurar no relógio, para não mais me esquecer do peso. Pesas-me por isso, não pelo pesar. Torna-se invariável sem me parecer condicionante do gosto de sentir derrapar o metódico para o medíocre. Prevendo a estanquicidade de pensar, o loquaz sujeito atira foguetes para que afastes os olhos dos meus. Quero acertar-te em cheio.

Seria mais fácil aferir a balança, ás caixinhas de memórias chamá-las de canopos. Não. Pior que hélio, envenena-me a maldade, sobe-me a alma por este corpo, quando a minha vontade era ser trépano do teu juízo.

Seria mais fácil calar o frondescente testemunho de que os ossos contam histórias, não deixam legados. No fundo, e bem por cima da tua cabeça, era saber montar uma trama, sem enredo, atirar-te um seixo bem redondo e pesado. Assim, bem certeiro na tua raíz, uma bolegada bem assente. Não. Contrariam-me as vontades e embirro. De tão retorcido, falham-me as mãos. Fico com vontade de politizar o leito pedregoso e, sem parcimónia aparente, lapidar-te até que aprendesses a conjugar-me no Pretérito Impossível.

De novo; seria bem mais fácil dançar à chuva de bigornas e pisar todos os teus canteiros. O que dissemos? Arregalam-se os olhos, exclamativa e sincera, a dúvida toma-te o corpo só para me encolheres os ombros, uma careta e... e pronto. Seria bem mais fácil dizer que o pecado é algo virgem por esta casa, que o vício é um pai ausente, a saudade uma mãe desajeitada, e tu, minha cadela de loiça, um ainda bloco de cimento nos pés.

Seria mais fácil mentir-te, continuar a beijar as penas, os lamentos e, infelizes aqueles, que aprendem a chorar como tu. Calhau que fosse, ou um breve torrão ressequido do Verão, era atirar com toda a vontade que ainda te tenho. E então? Nada. Parece ser mais fácil o caminho de um doce nada, sem a seiva agreste na pele, nos dias, das marés, com minguantes e crescentes, sem paredes de papel e postais ilustrados de um tempo que fomos.

Bem que me sabia acertar-te em cheio, lançar-te à mão cheia, para que o teu coração aprendesse a falar.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

recalcitrante

Sempre o concebi como um espaço inflado de pensamentos.

Dou por mim repleto de um silêncio, de ruídos cheios de nada.

Dói.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

|amorsassino|

Ela não entrava nas suas contas, nas manhas e projectos de malvadez. Seria um empecilho, um tiro no escuro, algo que se esconde dos outros. Mantida em segredo, mesmo sem haver algo a revelar, o segredo como um preciosismo de um coração de pano, controlado por um conjunto de cordas amargas.


Absorve o momento, não esquecendo de gemer, da fome a saudade, do cheiro a menina guardada à pressa no baú. Não há diluente que dissolva as nódoas, nem tempo que leve as mágoas. Somente no enjeito de quem ainda acredita na esperança, sabe ela fazer-lhe a espera à porta, numa tão mais rendida pausa de entrega.


O amor acontece, por vezes colérico, abrupto e de chofre. No gancho que lhe prende o cabelo, a sua pele desnuda de luz, sem brilho. O seu rosto esquecido na voz grave que lhe estala aos ouvidos, ele tinha-a em “Amor de tanto te querer, eu mato-te!”. No fim do dia, quando já nem o corpo carrega a alma, reconforta-a num toque passageiro, sem aduaneiros gestos de quem gosta e deseja passar a fronteira a monte.


Sem a mesura de um sorriso, flor agreste de cheiro a esteva, compele-a no beijo, na voz, nos gestos forçados, na ausência de outros. É uma morte anunciada, capitulando o seu mais querer ao infortúnio de um homem náufrago de si mesmo. Escarchado, rosto cinzelado na rudeza de só saber de si. O amor acontece, por vezes no hálito de aguardente, entre dentes cerrados e olhos de sangue.


Ela não passava de um engano, nas teias de um armário mal resolvido, de uma desarrumação esquecida ao canto da vida já tardia. Seria uma sereia raptada dos mares, acompanhada apenas nas vagas do pêndulo do relógio de parede. Sem sal, com o pó de quem dança por dentro, no ainda palpitar que lembra uma jovem menina de cabelos ruivos.


Despedaça-se o coração, queimado na negritude das suas mãos, o toque feito lancinante, porque o amor acontece assim. Não há distância que quebre a vontade, nem memória que a traga de novo a si. A vida esquece-se dele, a lembrança colada ao olhar no vazio, entre os primeiros tons de cinzento outonal, até ao infinito de a querer refém na memória. Apenas porque o amor acontece.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

|199|




Enterramos os mortos e levamos o resto da vida a aturar os vivos.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

traço esguio

Nunca se pensa naquela sombra, no exacto ponto onde desejaria ver-se luz, o ponto de fuga. Um desembaraço, qualquer resquício de pele seca, enxuta de pesadelos. Diz-me, voz que amarga, traço de lembrança, trago maldito do meu sangue, diz-me algo em poucas linhas, em curtas palavras, de nesgas e frestas de esperança.

Este, após anos de solidão, preso aos pés de quem se fez maior que o sonho. Deste ponto, negra qualidade tornada plena, adocicando-se o pesadelo de esperar na perfeição o limite entre o claro e o escuro. Prontificam-se, ao império a que tanto se quer ver atrás das costas, os sonhos absurdos de se desejar noutra pele, em voos proíbido a quem é Noite.

Absolvo-me de pecados e olho-te. Neste instante de traço esguio, momento desenvolto entre a calma de quem espera e a incerteza de quem desespera. Calma. Beija-me o mais frio da boca. Calma. Deixa-me dissimular o sorriso que me prende ao mundo. Calma. Jaz entre a agudeza das palavras, gélida palidez dos dias deixados ao sabor do ocaso. Até ao fim, sem princípio algum para perdurar nas nossas memórias.

Agarra-me o cabelo e chora-me por este peito, até me crivares de um gosto sentido, o terno cravar de unhas na carne. Sempre de pensei clarividente, pois em mim pouco habita da luz que nos viu nascer. Calma. Tez de segura vontade, nas manhas de este ser que apenas vagueia por estas veias pejadas de madrugadas.

Sabe o silêncio falar-me. Sabes tu calar-me entre dentes, causando-me a maior das revoltas e deixando-me sem sentido. Tranfigurando a alma ao espelho que tens entre mãos. Ousa, faz-me fugir. E assim, espartilhar a projecção dos meus rostos, esquadrinhar apenas o que penso saber conhecer, a mim.

Eu crio. Tu matas. Eu digo. Tu feres. Eu morro. Tu aconteces. Eu renasço. Tu tocas. Eu mostro. Tu... dás-me sentido. Perdendo-se mais um pouco de nós, na noção do gastos que estamos. Tu crias. Eu firo. Tu dizes. Eu mato. Tu renasces. Eu aconteço. Perde-se um pouco mais do antes, esperando ouvir-te em melodia, num assobio, remetendo-me para este presente, aqui.

Desengane-se a vontade, despejem-se os bolsos de pesos dos outros. Mergulhem os lábios nos beijos deixados para outra altura. Quer-se o sonho, obtém-se a vontade. Ilusório, escrever-te entre sombras, sempre a uma só mão, não faz de ti metade que me falta. És este grito. Hei-de te encerrar entre os meus ossos. Sempre, para nunca.



segunda-feira, 6 de setembro de 2010

|cessatio|

Tudo se desfaz
e quem me fez, na sua pele
sentiu-se tentada a não se dizer segura
esquecido era, senão este palmo de peito
um aperto em constante negação

Tudo se desfaz
e quem te deu, minha rosa
um rosto que desconhece a prosa
nem receosa da chuva, me dirias assim
tão bom é lavar-me na certeza do nada

Tudo se desfaz
augúrios, prementes dias quentes
um diluído mar de sorrisos
escorridos cabelos pelos ombros
marés e mais que mergulhos, as despedidas

Tudo se desfaz
seguindo um caminho de terra
procurando o rosto manter-se seco
deixando o mar para trás das costas
sem o desejo imperar no regresso

Tudo se desfaz
nos nós, nas correntes e linhas de pensamento
na ânsia de salgar os sentidos e calar o mundo
na boca que engole, nos olhos que ardem
esta força de me saber entre as vagas

Tudo se desfaz
aos incapacitados caprichos de quem não vive
feitos em segredos, castelos de areia
ao areal na boca, cospe-se em nojo relutante
na pele raiada de branco sal, até aos lábios o negam

Tudo se desfaz
quando nada mais sobra que a espuma das ondas
e o medo de tomar as rédeas é um soluço constante
dir-me-ia morto, condenado ao fracasso
sem este amor, na loucura de me perder nas horas

Tudo se desfaz
contra o areal calcado a cada ida, a cada volta
sem que o mar me deixe de embalar
e eu, no jeito de homem que abraça o destino
nada se dissipa no esquecimento
sem que nada me faça desfeito

Tudo se desfaz
dado ao esquecido tempo maior
por o querer mais lato que a alma
mais fundo na retina, no mais escuro da noite
em tudo o que nasce e morre em mim

terça-feira, 24 de agosto de 2010

sal|iva[me]

Aqui e agora, como se nada mais tivesse impacto na minha saudade, não ser esquecida, mas antes escrita na saliva em que me gasto. E como gosto, moldado ao feitio do vento que me seca a boca e me devolve à terra, descrever-me nos pequenos tons deste aperto. Inquietante, a redoma de uma espécie devolvida aos próprios braços.

Destes laços que não aceito. Dessas lágrimas que não trago. Daqueles olhos que se despedem. De uma coisa qualquer, que funda a alma à pedra, a uma mordaça glosada de tanto me repelir a voz.

Aqui e agora, oiço-me entre as paredes que me deixas tocar, a transparência de abrir os olhos e cegar-me nos desafortunados mares dos teus gestos. Faz-me o suspirar tamanho mal ao sangue, oxigenando o que desejo calmo e em silêncio.

De um orla abraçada ao manto de prata, aos cantos expostos de um querer dito mormente em lábia. Esta saliva que o tempo rouba, nos olhares encadeados por sorrisos, nos corpos dispersos pelo areal, oriundos de um aperto e términos no abraço.

Aqui, deste preciso lugar em que o agora se repete, não me servem as mãos para acenos, nem as palavras para desnudar o sentimento. Seja a vontade uma aliança das marés, porque destes horizonte sem fim, de nada se farta este tanto querer.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

terminal

Farto de procurar nas palavras, o sentido que não encontro em mim. Uma finitude desgrenhada, rosto solto de beleza ou alma purificada. Purga, clamo-a. Chamando-me de novo para os ossos, tutano de sabor agreste, um movimento contrário ao esperado. Seria mesmo inevitável, talvez o mais provável do sentido. É sentido, e sentindo, continua a ecoar o vazio instalado, estala-me o sono. Não descanso, durmo sobre um leito de certezas e desagrados. Porque sou desagradado e um tanto desagradável. Realista apenas.

Abraçaria mais depressa um fantasma alheio que fazer-me fácil à vida. Contrapondo com o gosto por sentidos práticos, pelos outros apenas de aroma a qualquer coisa. Não me podem pegar por aí, pelo que julgam cegueira e eu dádiva. Torna-se o instante quase obsoleto, o futuro cinzento, enfadonho como viagens por túneis escuros.

A aprendizagem deveria tornar-me ágil, forte, coeso. Não mais sagaz, que me canso de ter os ouvidos à em escuta e o coração alerta. A sensatez deveria vir racionada, em porções paralelas com a estupidez com que se injecta a realidade nas veias.

É demasiado para mim, já é demais para sermos apenas uns quantos a acreditar que é possível alcançar a coisa. Saber-me a boca a morte quando ainda nem a defunta flor do bem secou por completo. Vai morrer, é certo. Saber que se fina............................ agora neste instante. Provoca-me um arrítmico sentimento surreal.

O impossível está tão perto, e o sempre acostuma-se ao próprio hábito de reescrever-me a negro, quando me queria ver a azul translúcido. Um luto constante à luta, guerreia incessante à qual nem o rosto escapa. De uma vertigem somente reservada a Impérios, saber-se soltar o cabelo e calar as asas. Assim, de sorriso escondido no sabor do sal.

Um não sei quê que tanto me define. Sem limitar-me ao infinito, não me corrompe a coisa alguma, e em nenhuma me ter por completo. O não sei que mais de tanto me sentir quebrar, agarrar-me a isto. Esta coisa que me impede deixar de acreditar, ser-me possível entre os mortais.

As viagens, as esperas, as pressas, as idas, os regressos, as horas, o tempo que estagna, o outro que voa, os beijos, as despedidas, as alegrias e mais os sabores amargos do adeus. Quantos quilómetros tem este meu amor, sem ter a certeza que coisa é esta que trago no peito.

Tantas vezes quedei-me por esta estação, pensando que poderia prosseguir viagem. Afinal não. Não. A negação ecoando pelo túnel de azulejos e ladrilhos. Terminal, é o que sou.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

quinta-feira, 29 de julho de 2010

vasqueiros

Se não fôssemos amigos, seria mais simples de queimar o mundo. Sorrir a cada manhã, entre os resquícios de névoa e os raios de sol. Nas noites mal dormidas, putas, suadas a sós na insónia. De olhos fixos em coisa nenhuma, e a nenhuma coisa regressar. Na improbabilidade de não nos conhecermos, fartos de poemas e boas intenções, e em cada partida apenas descolarmos a pele um do outro.

Caso fôssemos uns desconhecidos, nunca beberíamos juntos, não haveria troca de mágoas ou choros. A nossa presença seria igual à ausência dos outros, aqueles que roubam pedacinhos de nós, e nós nos deixam na garganta, a sós. Deitar fora a pastilha mais que mascada, sem que se oiça “Olha como vens tu. Que te fizeram?”. Soltar um gesto, e tão simples que é, no seu toque trazer-nos a leveza que não temos.

Se não fosse teu amigo, talvez te riscasse toda a pele, enchesse todos os vazios e despejasse a seguir. Se fumássemos cigarros, uns atrás de outros, de cabelos soltos, sem que o infinito nos impressionasse, talvez houvesse um momento em que a minha mão roubasse a tua. Um aperto no peito, um sussurro amaldiçoando este cheiro a tesão.

Se não me soubesses chamar à razão, talvez o teu colo fosse um ventre de desejo, um poço sem fundo, uma rota de ir e vir. Ir e vir, uma e outra vez. Tudo isto não fosse mais que um elo, onde a nossa fraqueza veste-se nas outras peles, entre outras camas, onde acabamos sempre por acordar sozinhos. Sozinhos de uma cama cheia de vazios, amarrotados por dentro e por fora.

Se não estivesses presente sempre que falho, dando por mim num sentido errado, descompensando a luz, renegando-me um pouco para o lado mais negro, talvez me agarrasses com força, matando-me no peito, com fervor, nesta maldita veia, esta pedra de sangue que não derrete. Fosse o grito uma forma de libertar, fossem as entranhas vontades escondidas, fôssemos nós desconhecidos, ausentes do universo de cada qual, tornar-se-ia o desassossego em imperativo comum.

E talvez nem nos importássemos demasiado com o que temos para dizer um ao outro, porque isso não contaria para nada. Insignificante seria, sem mais ninguém para aturar os nossos maus regressos do mar. Sem sabermos do bem, porque nos despedaçamos a cada projéctil alheio. Nada seria infrutífero e, provavelmente, nunca haveria agradecimentos de parte a parte. Dividir-se o mesmo copo com um estilhaço de gin, uma pastilha elástica, deixarmos as pontas dos cigarros quando o outro já não tem.

Caso não houvesse lealdade à espinha dorsal, talvez snifasse coca onde a tua termina. São todos os desassossegos da alma que nos formam. São todos os sobressaltos da alma que nos motivam a carcaça a levantar-se de novo. São todos os planos gorados, as pessoas que nos falam sem ser nos olhos. Assim como ouvir dizer de outra boca, “A tua dor é tão bela, quando te escreves numa sombra que brilha, com uma luz que não se vê”. É, acho que somos uns estúpidos.

Se a tua boca não me fosse familiar, porventura que desceria pelo meu corpo, até aqui, onde tudo se liberta. Matar-me-ias a cada beijo, tornando o meu coração em pó, especiaria vendida ao preço dos olhos da cara. Trocar-se uma cegueira por outra. Já não existe quem queira. Poucos restam os que sabem. Coragem dispersa por entre gastas palavras, pintadas com a pressa de quem pensa engolir-nos num trago.

Numa outra circunstância, sem sermos quem somos, talvez fôssemos deuses, absolutos, mas não amigos. Nunca amigos. Nunca.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

a merceeira

É rebolando pelas tuas coxas, minha porquinha roliça, que me desvelo e enlevo ao sabor do teu pêssego. Escorre-me estas ganas de aliviar-te a dureza das meloas. Que não me sai do corpo esta ânsia, quanto mais esta vontade de matar-me no teu corpo. Quero galgar-te, debruando as tuas nervuras, sorver-te folhos, rosas, botões e afins. É como abrir-te em cada talhada, até que me deixes de novo assim, de sorriso rasgado, boca encharcada de sabor a ti.

Oh! Amor vilão, que esta merceeira me rouba as horas a este coração forrado a papel pardo. Em tom de enfado e de mão no quadril, avisa-me que a sopeira é de uma soltura leviana. Que não sabe de outras contas, só sabe pelo que ouviu dizer. Empurra-me quando me agarra a camisa. E mais me amarra o seu não dizer sim, enquanto esconde a volúpia por debaixo dos seus gastos trapos.

Agrada-me o seu cabelo mal arranjado e o cheiro a mulher de mil desejos calados. Diz-me que não e evita ficar entre o meu corpo e a caixa do pão. Polvilha-me a alma em riste, no seu tenro e doce jeito de me dizer não mas saber-me a sim. E tanta vez que o diz e me chama vezes sem conta, sem nenhum fim, “homem de Deus, não me maces tanto assim”.

Se ao menos a minha parvoíce não fosse tão lúcida, talvez me saísse melhor dizer que a degusto e a consumo até à última graínha. Perco-me pelos seus beijos em cachos, fazendo este querer cachoante. Doce merceeira, que não tem mel no seu regaço, mas tanto me sabe a trago melaço, delirante torrente que pelo vau lhe passo, não só com as mãos a marco ou por esta paixão que lhe tenho. Oh, quero-a em perfume alfazema, em molhos de orégãos e pau de canela. Olhos escondidos no medo de os fintar, a sós. Trejeitos tremidos, quão forte me aparenta o seu desejo por tamanho aperto no peito, num abraço. Tudo cairia por fim, pelas pernas que desmaiavam e à sua boca lhe subiria o meu nome.

Somente um balcão que nos delimita, e nada mais me aparta deste silêncio. Enquanto faz contas de cabeça, e os seus dedos na boca se humedecem. Que visão tenho eu, desde a ombreira da porta, onde calado queimo um cigarro aos pulmões. E as suas mãos tão belas, de giz quase inexistente, roçando os dedos ao de leve na ardósia. A que preço vende o meu coração, talvez a meia dúzia de suspiros a arroba.

É bela, mesmo no senão deste imaginário, passando à sua porta vezes sem fim, sem lhe ter um sentido contrário. Um dia, minha querida merceeira, um dia me dirás teu homem.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

sombra

És um coração que à boca não me tomas
nem à desmedida lábia de me sangrar entre dedos
faz-me assim, de uma vez somente
que de tantas vezes, só uma me resta

Repele. Repete. Respira-me esta ausente medida
pele. Na pele. Pede a pele na tua
miocárdio este, o magnânimo insolente
de um estrupício sentimento

És um coração à tona do que me fazes esquecer
entre emaranhados, mangais secos, olhos enxutos
draga sem fome, desenhado me está o semblante
trago a lodo, e de todo, este perfume de noite

Responde. Afirma. Comete o crime de me viver
coração de sombras, cansado de sentir
não me fossem as palavras morrerem-me assim
dir-te-ia querer-te na coragem de me trespassar

São cinco fráguas, os sentidos que não sinto
e nada mais me surpreende senão este escuro
de novo, coração à boca, sua majestade esquecida
sem intenção, porque o querer, em si nada encerra

És inútil, viciado escabroso, nem te fazes melhor que eu
não me falas para além das falhas, ou destas mágoas apartas
nem dizes na aspereza, possuir-me na falta de te querer manso
de um dia já não te saber sentir, e tu, sentir me fazes.

sábado, 17 de julho de 2010

senzala

A vigente lacuna aclamada num ápice, por este trago tão forte, sabor lacónico, flambeado na memória que me resta. A experiência diz a ficar-me por este trago. A vontade de engolir encharca-me qualquer lembrança. A sede, essa, serpente de volúpia inebriante, dançando em mim, no alambique desta boca emudecida, tormento de um prazer oferecido ao encarcerado coração. Calo-me. Fecho as portas para a rua. Coso as veias por dentro, nesta pele que tanto me aflige. Canso a insónia, choro a imensidão da secura na garganta.

Esquece-me. Olvida-me deste vício. Entornar-me entre as tuas pernas, penetrando-te até pelos poros. Não me sejas doce suor, porque tornear-te o flanco, sabendo-me ao que te espremo, é tão maior a condena que os teus próprios gemidos. Não me acordes, natureza morta, quadro a óleo, prazer espalhado por estas mãos, até onde morre o teu corpo.

Lentamente. Percorres-me cada nervura em tom de saque e doçura. Tremo, sendo esta ressaca o meu garrote da alma. Por ti, de cheias veias, plenas e fartas em te querer. Hirsuto me tende a ficar este ser, ferrando-te a cada investida.

Mas sabe o mal tolher-me numa aventura, num tanto nada espaçado, num pouco pejado de segredo. Afaga a língua nos meus lábios, esta boca consente o desvio dos teus dias. Oferece-me um inferno rosáceo carmim, não aguento mais edemas em sustenidos refreios.

À morte, em esgar descontrolado, já sem ter em mim a noção dos corpos. Esses lábios são meus, estes dedos colados a ti e a mais que virá por fim. Olhos nos olhos, vagueando sem o limite do outro. Não te oiço mais. Nem ver-te direi, se me soubesse responder o corpo. Saciedade gorada, indelével saudade de ti, que ainda aqui estando, tanta falta me fazes.

Sorris como um anjo. Perdida estás, por aqui, por algures. Nos estilhaços espalhados na cama, dentro e fora de ti. Beijo-te nesta cegueira, no vulto teu rosto. Em riste, vou e venho por dentro de ti. Contínuo. Continuo, intermitente, intradérmico, até ao inconsequente descompasso do coração.

Visto-te, sendo que me apagas aos poucos, ainda antes de o pensares. Contempla-me, senhor das horas vagas, desta mácula descrente. Diz-me o instinto, quiçá numa errante razão, não te sentir a falta, sabendo-te tão em falta dentro de mim. Abrasivo amuleto que é uma saudade mal parida, rasgando-me daqui até ali, onde não consegues ver.

Saberia rascunhar-te, esboçando alegria nas veias. Rasuras minhas somente, porque este mal habita em mim. Amar. Cerco este que me liberta.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

palavras cãs

De ti, para ti. Tu e mais tu. O meu, agora teu. Eu, existindo em ti, sem me rever ao espelho, somente nos teus olhos. Sempre tu, e eu sem me ter. Quando tudo se resume a mim a este veneno que carrego. Deixas-me sem fim, quando nem no princípio me fizeste. Vivo entre despojos de intenções mal medidas. Estranheza na boca, outro cheiro na pele. Vens e vais, até me atordoares, e eu, voltando a dar-me de soslaio, a um risco de inutilidade escorrida na folha.

As palavras são o meu próprio veneno. Na intenção de nada mais expressar, este não sentir. Não saber-me melhor nestas absurdas linhas. Os pontos no final de cada frase deixam de fazer sentido, quando nada mais são para além disso. Não são mais que repulsa, sabendo-me a tão pouco. Não me existem no sangue, e aqui, por este peito, fulguram dúvidas crepitantes, matam-me aos poucos. Estas linhas, sinuosidades do teu corpo, embargam-me, e num trago, de uma só vez, não me trazem de volta, nem por metade.

Não pelas palavras dos outros, mas sim pelas palavras de todos. Procurar-me entre as mesmas, porque inteiro não estou e mal me sinto gente. Um ensaio, experimentação sempre, sempre, sempre repetida até à exaustão. Sem se ler metade das palavras, resumindo outras tantas a meias verdades.

Se me faço na dúvida, nesta pele de nudez consciente, inexperiente, desarticulando a frase até ao fim. Sempre a sós, contigo, nesta minha cabeça. Deambulando pela luz da tua pele, unicamente transladada como rainha da mais indefesa virtude. És-me leal ao sal escorrido pelo rosto, até que me toques no canto da boca, lambendo cada pedaço do caminho, a cada onírica manhã, esperançosa de um sol que me queime o sorriso no rosto.

A pátria da alma requer uma infinitude que o corpo não acompanha. Não mais. Oferece-me esse corpo e a sua compleição pela mortalidade, igual ao dia que vi nascer, desvanecendo-se pouco a pouco, como este beijo abandonado no mesmo lugar onde morri nas tuas mãos. Preciso de ser imortal, mesmo quando me beijas como sovela no couro. Segue o sonho no próprio caminho, sinestésico, pois aqui impero em todo o pesadelo.

Este manancial virulento do quase tudo, abocanhando cada palavra já no vazio das suas intenções. Voz dorida que tenho em mim, aqui dentro, tão cansada de reescrever-me em paixão comedida, mas tão extravagante como um concílio de deuses anónimos. Adicto e tão farto de o ser.

Cansado sou, sem sequer ter estado de todo, repleto de pele. Apenas ossos. Escrever sobre mim é ser acólito num estado de embriaguez, de um terrífico mau beber e pior feitio. Faltam-me as surpresas, as boas. Sorvo catarses, designando-te de mulher. E és-me por inteiro, em todas as metades que me faltam.

Espinhoso, sinto-me cravado em pua, na tua, na tua, e mais na tua que me és. Ai mulher, que te procuro, achando-te tão mais bela no bem que me tomas, tornando-me no teu mal apenas. Sou um crente, mesmo não me acreditando. Esta tua presença em todo o vazio. Em todo, vazio.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Vendedor de Sonhos

"Não és a primeira, mas és a minha mulher."

Vendedor de Sonhos

terça-feira, 6 de julho de 2010

n o v o

Sentei-me de novo, e de novo senti-me. Novo, senti-me pendurado por ténues linhas, suspendi qualquer arremesso contra a pedra. De novo, sento-me para sentir que rejuvenesço nas linhas cegas. De costas voltadas para o sol, embruteço a sombra disforme. De negro, grafitado coração, quanto o quero guardado a pulso cerrado. Senti-me novo, no velho corpo.

Não és minha, de parte incerta e perdida. Esquecer-me, oferecendo a ofensa, perdurando um beijo que nem o foi. Sinto tanto, sinto muito, mas se nem ao lamento me dou, sem a entrega aprender ,de uma vez por todas, que os gestos são meros acasos. Movimentos fortuitos, deslizantes por esta pele que me queima na alma.

Uma palidez enjeitada, para dentro. Emoções diluídas a aguarela. Do brilho, um resquício nos olhos. Porque sobreviver não é mais que o arrevesso de um passeio bucólido ao Domingo, de roupas de linho e cheiro a sabonete. É uma mágoa proveniente de uma profundidade quase esquecida, deste Oriente do meu coração, em especiarias e aromas fechados, lentamente revelando-se à superfície da pele. Por aqui, por ali, como salitre numa parede. Insistente.

Sentindo de novo, como sentar-me e cruzar a perna, arrepanhar o cabelo, desgrenhando este respirar que ainda te faz tão presente. Não quero que me queiras, ou sequer me penses. Que exista entre as pedras, como musgo que foge da luz, um perfilar de intenções que não passaram daí. Não me ornamentes, crava-me antes em estacas tuas palavras, em rugiente espécie de encantamento. De sabor metálico, decoro-te neste estertor de pesar em hulha consumada, vendo a morte na única desonra deste ensamblador homem de ineptos costumes.

Acostumado estava, sentia-me. Agora, sou de novo, um mesmo sentir. Não me dando a más memórias, são estes afazeres desalinhados com os planetas e mais essas coisas de alinhamentos. Que me importa, quando tenho o céu estrelado para dançar, e tão longe as estrelas estão, e no entanto, sempre presentes.

Passo dado de lampejo, medulante, neste apoio dado ao aproximar a boca da razão. Espantem-se as criaturas, os bichos e as coisas, que redefino esta marginalidade do me fazer convexo, avesso à medida. Não caibo, e de encaixar esqueci-me. Sinto o novo, no velho meliante poeta vão de escadas.

Então vá, que me enternece o lugar comum, codificado está tudo o que me passe da estagnação à desenvoltura de me sentir novo, de novo. Sinto um desprazer agudo por esta madrugada, corrompida, alheando-me do sono e colando este cansaço aos ossos. Vá, como quem manda no mundo e se repete. Vá, agora que sou dicromático de geração nada espontânea, mando parar a mão que escreve, para que a mente se atulhe neste sentir. Novamente na lassa conclusão, sinto-me nada de novo, sentindo-me novo.

As histórias de amor são bonitas. As histórias somente.

domingo, 4 de julho de 2010

r e v e r s í v e i s

Saí, ainda molhada das palavras que me deste à tona dos sentidos. Desci, desci por ti como saliva em corpo quente. Não te estranho, que nas minhas entranhas engendro querer-te colar. Enrolar-te enquanto me solto. Sinto esta crescente vontade de tomar-te o peso. Bruto, seco, essa língua lesta, segura, que dura e é dura no insistente movimento.

Vais e vens, descendo por aqui. Gelado, quero-te quente, espesso, pesado e preciso. Rachar ao meio onde ateias fogo, aqui, nesta chama. Inflama-me entre paredes, nas minhas. Volátil, queimar-te em suor, engolir enquanto me tragas. Pequeno alambique, destilando a pele na boca. Dos lábios aos lábios. Ao que é teu e me fica em sabor na língua. Ferida, ata-me o desejo de me debater, adornar-me à tua vontade.

Que mais queres? Diz-me assim, por aqui. Faz-te mais perto, aqui, bem mais fundo que imaginas. Maceramos o corpo, iluminamos a noite, desgarrado gemido na ausência das inúteis palavras. Essa soberba cravada entre pernas. Descai por mim, em mim, para ti. Gotejante alegoria nos dedos molhados, escarchados. És veneno da minha carne, trespassa-me na alma.

Dá-me. Faz-te coeso, tenso, de olhos concentrados na perdição. Cremoso, fluindo, sentir-te pulsar dentro de mim. Gosto disso, quando rodopias, circundas, cercas-me e impeles o sufoco até à garganta, bem fundo, bramindo por mais, chamar por ti, que me leves até onde a dor termina.

Nevrálgica, neste último e precioso reduto, colérica vontade adensada em cada músculo, só um pouco mais de fôlego para que termine. Neste derramar desprovido de simetrias, lambe agora toda a vontade condensada, liquefeita entre nós.

Saí, desesperada, por este corpo que morre e emerge entre as palavras. Inúteis.

sábado, 26 de junho de 2010

trecho a|calmo

Continuas de mãos vazias, em que a magia não entra no teu sorriso. Chamas-te nenhum nome, pareces-me tão ninguém, desconhecida que me é familiar. Estás-me desperta, encanto em que tanto me desejo transfigurar. Aparentas ser a minha quietude, mas não és, mas não és. Trazes correntes na tua língua da razão. Sem magia, cortas-me o coração a meio. Gosto, gosto dessa pedra que carregas no peito.

Sentas-te à porta, esperando que chegue a morte do dia. Aguardas que te encha a boca de flores, que te preencha o vazio que te fica no âmago, tão sólito, tão teu. Carpir um desejo, a ânsia estendida ao sabor das ébrias batidas do peito. Esperas, esperas como eu espero por ti, pela noite que chega nos seus dedos de veludo e nos sussurre, fechados, escondidos, clamados a sós.

Não me falas, nem espero que existas para além do meu rosto, cansado, nos olhos oferecidos ao mundo, ao esquecido que sou. Vou dizendo que sim, repetindo-me neste aceitar que o sol me seque a boca, sem que a beijes, sem que... te esqueça. Pareces-me tão bem, inspirar-te em falta, dilacerar-me deste jeito que me trazes ao coração que vive na garganta, tranquilo.

Agora que as palavras me parecem menos estranhas, a língua menos áspera, sinto-me mais plano. Sim, tranquilo, como o verdadeiro homem que espera numa estação isolada da linha. As paredes vazias de ti, despidas da tua presença, desta dor tão calma com que te fazes notar. Dei-te já tantos nomes, tendo a solidão apenas um, o meu. Ofereci-te a tantas noite enfim, à incomensurável medida do amor.

Continuas assim, de mãos vazias e sorriso alheio à magia. De joelhos escanzelados, descalça de qualquer tipo de reflexão quanto ao tempo que ainda falta para que chegue a noite. Eu, por entre o veludo tua pele, desejo a tua boca, mordendo-me em qualquer sentido que tenha na alma. Porque de nada já importa residir num vago olhar lançado ao arvoredo, se lá não estás entre os bichos da madrugada. Mesmo sem resistir à dúvida enciumada, se tanto me fixas o olhar, apenas para que consigas tocar a lua, ou se espelham apenas quem tu és.

Agora sim, tranquilo nesta estranheza que me embarga, enovelado na maciez tua paixão. Pinta-me este sanguíneo traço no ar, o lastro férreo guardado na boca, seguindo cada passo um do outro, um no outro. Aparentas iluminar cada recôndito desejo que exista por entre este meu mundo, quando apenas alumias a triste flor pendurada no teu cabelo.

És tão bonita, tão bela no teu desarraigado soluço, no teu perfume que me soa a violeta mortiça. O teu corpo escondido neste meu pesar. Desjeitosa, gemes em parcimonioso êxtase, sublimas a avidez numa brisa calada. Gosto. Gosto quando tudo anulas e te ofereces num todo, neste tanto que te sou. Tranquilo te trago na saliva, nas inexistentes palavras entre nós. Tranquilo, tranquilo me deixas na dor, neste vadio tanto querer.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

epitáfios

Hoje apeteces-me inteira num cigarro
Hoje apeteces-me contida na minha sombra
Hoje apeteces-me apenas...

Seres nudez, pele, silhueta descalça do exterior
Preencho-te. Apago-te. Volto a preencher-te para apagar de novo
Num retorno ao vazio de um gesto, à ausência de tempo num olhar partilhado
Encho-te de suspiros. E olho-te. Olho-te como se nunca mais te fosse ver
Como se morrêssemos. Ali, entre purgas. Aqui, entre lágrimas, sem despedida

Hoje apeteces-me viva no sonho
Hoje apeteces-me, entre estes olhos fechados
Hoje apeteces-me apenas...

Transbordares sal, e nos teus olhos molhar os meus lábios
Trazeres-me este mal à boca, à tona da voz que se some de vez
Consome-se a delicadeza, o que me dás de mansinho
Enche-me, perfaz-me, dizes-me tão lindo
Nos lábios rendidos, nos corpos estendidos, ali ficarmos

Hoje apeteces-me perdida de mim
Hoje apeteces-me feita de amanhã
Hoje apeteces-me...

Há dias que não sei de mim. O que me faz ser isto. Isto!
Em todos os adornos, armaduras, contrastes e desmedidas esconjuras
Fugindo para que me procure. Esse teu ventre retira-me da cegueira.
E tanto que me apeteces no começo, e mais me apetece no fim
Sem brevidades, porque as boas histórias não se escrevem, vivem-se

Hoje apeteces-me viva
Hoje apeteces-me não mais recordar-te assim
Hoje apetecias-me tanto...

terça-feira, 22 de junho de 2010

desassossegos

Se a minha Alma fosse por aí adentro.
Desalmadamente por aí adentro.
Sem paragens de mercúrios.
Sem sentidos de pensamentos.
Ai se ela fosse por aí adentro.
Sem traços de passados.
E medos de futuros.
E pousasse assim.
Devagar no soalho da tua mão.
De palmas em concha.
Com cheiros de amoras.
Ai se ela fosse. Assim. Por aí adentro.
Frágil com alicerces de veias.
Desalmadamente por aí adentro.
Fugaz. Vermelha. Viva.
Aos saltos por aí adentro.
Absorvida pelo desejo.
De te encontrar entre os meus dedos.
E assim. Só assim.
Sossegar a pele.
Ai se ela fosse.
Desalmadamente tua
Por aí adentro.

Se a tua alma fosse minha.
Descompassada, em jeito triste.
De olhos em riste para a lua.
Sem adornos dos dias que te gastam.
Oh, se sobrevivesse mais um dia, a um trago teu que fosse.
Ao limite dos teus olhos amêndoa. No beijo que me dás amargo.
Saberia guardar-te entre despojos.
Que do teu deserto guardo miragem.
Passados teus cravados na pele.
Se essa alma me coubesse no corpo.
Oh, como seria o meu sangue tão mais espesso.
Saber-te-ia larápio do meu sossego.
Calado. Absoluto, e no entanto, tão e somente disperso.
Reencarnar-te. Dançar nos teus ossos.
Saber-te até ao último grão de areia.
Nas tuas sombras lazúli. Na tez trigueira de quem evapora ao sol.
Gastador de palavras. Dorso alongado entre meus dedos.
Se essa alma fosse também minha.
Aprouvesse a lívida brancura tornar-se escarlate.
Gotejante desmesura. Transformar-te em carne.
Vivo.Sereno. Perene. Esquecer-te dentro de mim.
Oh, se toda ela estivesse em mim.
Assim. Só assim.

Se estas mãos fossem espíritos.
Estas quatro, tramadas a quente.
Pousar-te a mão na alma, lavando-me no teu rosto.
Parir cada murmurado segredo.
Criar-te para cada medo.
Se estas almas fossem mãos.
Frutado. Tanino. Lastro veludo o teu manto.
Duas mãos abertas. Um aceno apenas.
Assim. Só assim.
Reclamar esta pena em fuste, no coração
Premer-te. Calcar-te sobre mim.
Se cada dedo fosse um desejo.
Morder-te as mãos da alma.
Despejar cada abraço, como o rio que se oferece ao mar.
E esse ar a outro respirar.
Solfeja-me.
Ai alma sombria que me acalentas a morte.
Cor essa que tens aí dentro.
Essa. Só essa.
Se estas almas fossem por aí adentro.
Onde te misturas em mim.
Oh, que nos meus ais seria tua.
Tua. Desalmadamente na alma.

domingo, 20 de junho de 2010

zimbro

Sou serpente que te ladeia, rodeia, sibila ao ouvido, venenos tremendos, sem mãos, nem pausas, porque de vírgulas lembram-se outros tempos, sem enredos, tramas, intrigas, vozes sussurradas. Atroz, traz a mim, deste nós criado, lânguido, lambido, a sós, a dois, tu e eu. Somos vozes, ecos, resquícios, afins, esconjuras, partituras, danças sem pares.

Sou homem que te acentua, assente por este corpo, nesta língua, que de absintos sou crente, e tu, meu veneno presente, dá-me de beber. Sou forte, sou fraco, sou quem sou e nem a ti sei dizer-te mais que uma recorrente lábia, corrente, escorrendo-me em torrente que me emerge pela boca, esta, esta, esta repetição de gestos lambidos.

Sou vontade que te abre, consome, envolve, vontade maldita de te explorar, exaurir, escadear cada traço teu, no meu, neste meu, álcool que me tributa a carne, sem cerne nem desarme. Vem nos teus dedos, e com calma, toma-me e sente, como posso ser eterno, sem que efémero esteja a dizer-te, que nos meus olhos me morreram amores, dissabores e outros fins a que me dei.

Sou gesto jazido, trazido ao de cima, e em baixo tenho uma vontade carnal, expectante, sem redundâncias ou horas, dispostas entre nós, entre corpos, entre lençóis suados a tanto, e por tanto e muito mais te escrevo entre as minhas pernas. O tacto, sentido, num toque, inverte-me nesta orla que se faz tua, tua a minha vontade de te ter nua.

Sou presente, recorrente na crença que se adensa no coração ao sopro do teu pulmão. Outro tenho, singular, restrito, prostrado, bendito momento em que as mãos se me adensam mais que a consciência. Oiço-te no vazio que se instala em mim. Quero mais.

Sou intenção, tenho vontades, sonhos a descobrir, e a descoberto me dou, em ensejo, de jeito troçado, por outros, os que me habitam, mas vivem à espera que vença, valide quem sou. Coloca-me as mãos nas rédeas, preciso parar, colmatar a solidão num beijo teu. Dá-me a soltura que me falta, por ti, em ti, bem dentro, mais fundo, gutural te clamo neste sentido, até te atingir, quem devo chamar quando me venho, e tenho em mim parte tua, desta mão que te escreve, bem depressa, sem mazelas na pele, e descreve-se em círculos, sucintos limites da própria noite.

Sou, apenas o sou.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

hoje...

...declarei-me.

Larguei palavras e fui directo.

Só isso.

Tu.

terça-feira, 15 de junho de 2010

na primeira pessoa

Não sei se me farte de sentir, ou se me enfarte por um Outubro de folhas caídas. Restam-me dúvidas, e este receio de morrer estúpido. Mais ainda de quando traguei o mundo, degrada-me mais depressa todo o processo de pensamento. É sentir-me ilógico, fraco, mortal.

Pensei que já soubesse lidar comigo, mas não, não sei. Assim como não sei o que fazer a esta ânsia, quando me falta o ar e dou comigo frente ao mesmo espelho de sempre, repetindo o meu nome, até que caia no desgaste de me chamar.

Porquê? Porque me encerro para explodir. Porque me abro ao mundo para me conter. Dá-me esta vontade mal canalizada para me querer riscar aqui mesmo. Aqui. Aqui, Marco. Risca-te aqui, já. Repete-te. De novo, repete! Repete-me. Lava-te nas mesmas águas, procura sobre a mesma pele em que acordas.

E pior, deixo-me cair. Levanto-me. Repete-te, Marco... aqui, bem baixinho. Segreda-te nos medos que assim te assolam. Estás descalço. Bem sabes que te encontras de coração nas mãos. Lambe esses lábios que tanto desejam entrega. Solta esse cabelo. Solta. Solta-te. Repete! Repete-me de novo.

Conheces estes passos, todos os baixos e venenos. Toma-te, que este trago é unicamente teu. Sabes-me bem. Nesses olhos, no olhar que escondes, o que sempre escondes. Mostra. Mostra-te, porque o teu suicídio é esse tão bem saber viver. Faz-te mal tão bem querer. E tão bem que o mal te faz, estremeceres de receios e dos demais incrementos do amor.

Escolhe-te, sem que te recolhas entre as paredes. Percorre-te a sós, um minuto antes da entrega. Toca-te. Tocas-me como nem eu me sei tocar. Sabes tão bem, bem sabes como te reescrever por entre húmidas paredes. Contraria-te e contraio-me. Sal, suor e lágrimas. Sangue, veias, gemidos e vazios. Sussurra-te, que te quero em voz perdida, quando estendes a língua aqui. Aqui. Aqui, Marco! Não sabes parar. Não te esqueces de me deixar de ouvir. Rasga. Rasga-te até onde te fundes em mim. Rasga-me, que não quero mais ser estátua icólume ao teu sentido.

Sente. Sente-me por entre os teus dedos, esvaindo-me a cada trago aflito. Nos teus, guardares toda a noção que me ofereces, perder-me para ti. Cai, desejo-te em queda, de joelhos no chão. Puxar-te para mim. Para mim. Porque te quero ver assim, na segunda pessoa do singular, sabendo-te tão bem sentir a primeira.

Concentra-te, esquece quem sou, o que tu és. Levas-me daqui, para ti. Trazes-me recordações de boas maneiras. Outros tempos em que soubeste o que era a entrega. Encantas-te ao espelho, mirando esse flanco desprovido de pele, vidro ou armadura. Ensejo oferecido a outras mãos. Desejo desenhado a outros dedos. Aproxima. Aproxima-te. Permite o toque de morte, Marco. Repete-te como da primeira vez, em que tanto soubeste diluir o teu sorrir.

Eleva-te. Leva-me. Sublime despertar madrigal, que tens couro e corpo sedento de vaidades. Desejo absoluto de gritar essa chama aflita que te enrola a garganta. Arde o mundo, tu nasces. Exaspero no tempo que demoras a roçar-te por mim. De mim já nem sei, sabendo que para ti sou-te presente.

Enlouquece. Enlouquece-me neste aperto agudo. Tortura-me com esta ausência, mas tão presente me floresces na pele. Arrepias-me. Calas-me o vazio, preenches-me os frios da alma. Corrompes quem sou, vencendo-te na gota que te encharca. Crê. Quero-te. Grita-te. Mais. Mais! Mais! Grita-me no pulmões que tens para te sentires dentro de mim. Morre e mata-me, com amor.

Só assim te sei escrever, com tanto engelho e engenhos de jamais perderes a noção desse teu nome. Só assim, de cada vez que estendes as mãos para fora do teu peito, arrancando pedaços à terra que te fez à imagem da lua. Enlutas preconceitos. Demoras os beijos, de braços abertos à luz. Que as lembrança não te corroam as vitórias. As despedidas, mesmo que breves, não te afastem o medo, nem a luz dos teus olhos.

Queda-se a justeza menor à estranha incapacidade de me saber lidar frente ao espelho. Que todo o pesadelo me lateje de vez na cabeça. Arranca-me deste peito, Marco. Arranca-me daqui para ali. Mais além. Mais! Quero-me mais em ti, nestes meus ossos. Com toda esta dor de me refazer à imagem do Homem. Dói-me tanto, tanto que é sentir-me bem.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

p.u.t.a.

Ouvi dizer que se segredavam coisas bonitas por aqui. Constou-me que todas as flores eram quase como orgasmos ao olfacto. Emprenhei pelos ouvidos, e perdendo a última hora de sol, constatei que de enganos assim, afundaram-se mais almas que homens. Não é qualquer coração capaz de amar. Não é qualquer coração capaz de disciplinar a própria dor. Apenas porque a dor, essa, não passa para além do seu conteúdo, mas extravasa-se em incongruências e metásteses sentimentais.

Ouvi dizer que mandaste alguém à minha pergunta. Procurei-te, como quem quer achar o que não deve, mas deve procurar o que não sabe. Desconheço alguma semelhança com outro senão comigo mesmo, porque já nem nome trago vestido quando no teu encalço. Já nada me parece natural, mas tudo, tudo em ti me fazia lembrar... enfim, a ti.

Desenhei-te a boca para que me respondesses se eras tu realmente que ali estavas à minha espera, eis que me trespassas de morte. Sorriste. Desenganem-se, abstémios, correctos, religiosos, meninos de luz e meninas de jardim. Não oiçam o que se diz por aí, que sou um homem de mil vidas e de outras mil que sobrevivi. Já há dias em que me sinto pálido e doente. Esta doença, nesta doença, só por esta que me faz viver.

Sombras, silhuetas e nódoas camufladas nas léguas que possui a língua. Açulando as intenções em maus lençóis e outros propósitos de companhias. Sinto a pele esfriar durante a madrugada já quase vencida. Poderia considera-me fino, se restasse em mim um apêndice de bom comportamento, algum composto de imaculada pose de inatingível. Pois sim, que um homem é feito de coluna vertebral, dizem. Mas a espinha adorna-se às camas em que se deita a vontade.

E vontade esta que me desassossega até aqui, onde me sinto tenso, rijo e seguro de morrer aqui e agora. Não fosse ser tão pouco dado a crenças, acostumar-me-ia ao flagelo da penitência, como um charlatão que vende a própria mãe ao Diabo. Absolva-se qualquer desejo escorreito, sem quebrar a promessa de um dia inventar-me melhor.

O odor que emana a tua pele, parecendo segredo escondido do medo. O medo escondido do nome. O nome escondido de quem somos. O que somos catalogado em perfumes. Não se lhes encontra sentido, porque apenas importa a que cheiram. Encerro-me de vontade, contra este peito que se diz aberto, encostando no teu. Vontade espartana de te agarrar pelo cabelo, puxar-te com força para mim. Morderes-me os dedos, como freios a que tua boca não se padece.

A que este lato pensamento me leva, de gostar do cheiro que deixas nos meus dedos, na minha boca. Talvez seja como beijar o céu, extraír um pouco de ti, a cada vez que respiras. Finges dormir. Ousas dizer que me conheces, enquanto troçamos do mundo. Abaixo a humanidade. Queimem-se princípios, porque os fins conseguem-se mudar. Conspira-se mais um pouco, enquanto folga o corpo. Inspira-se em tom de bons modos, o cheiro da erva fresca na tua pele. Amargas. Amargas-me. Deixa-me ao corrente dos teus esfregaços por mim. Dedadas minhas por ti, decalques da intenção de te querer mais. Magoar-te porque és minha. És minha. És minha.

Sendo coração que nada mais alcança, olhos de sentir as fráguas de esquecidos infortúnios. Qual braço forte, se nesta correnteza apenas jazem enjeitos e tristezas. Acomodam-se os sentimentos aos cortumes de um amor prolongado, magarefe. Um vazio pautado por um querer mais além do compreensível. Falo eu de coisas contrárias, julgando-me perante os teus pés, pelas linhas avessas que nos coseram.

Porque de acrónimos se fizesse a minha cabeça, serias sempre puta para mim. Porque uma tarde abalaste.

terça-feira, 25 de maio de 2010

até aqui

Esperei que o dia terminasse, sem que fosse um grande sufoco deixá-lo para trás das costas. Esperei demasiado tempo, concebendo-a nos mil enfeites, em redundantes palavras e apegos a trivialidades. As coisas passam, até as mais complexas, e assim, mesmo sem ter na sua posse todos os pós, magias e outros termos ilusórios, não se me coíbe o coração de senti-la purpurina, alegre e saltitante no meu coração.

Não se idealiza demasiado, porque a paixão já é feita de impulsos desmedidos. São olhos velhos e corações usados, pessoas já talhadas, com truques e tiques de reincidência. E então? Quando tudo vale e a boca transborda o que cresce cravado no peito, dando-se ao milagre de renascer entre a robustez da crença e a veleidade destas mãos. Eu sei, eu sei. É construir um cerco num maior aperto ao coração. Torná-lo tão marginal e avesso à razão, oferecendo-o a outras mãos, as de quem mais se quer.

Nos dias que correm, já nem me incomodo por me deslocar mais que dois milímetros face ao eixo da sua pessoa. Queria antes aprender outros caminhos que não os tortuosos a que me dou na pele de amante. Caso exista alguma compaixão nos braços da paixão, então que a luz rasgue em mim o que ainda insiste em me ser desconhecido nestes desígnios.

Saber-me dar a mais que ninharias de fracas importâncias. Catalogar os gestos e reconhecê-los como meus. Ter a noção que as palavras também sofrem erosão aos ouvidos. Saber soprá-las sem mover as dunas e precipitá-las no oásis. Não me pensar mais perfeito, e sem que a humildade me possua em exagero, habituar-me ao gosto de tanto me querer entre as suas pernas.

Ter em conta que as suas mãos sabem ser tão mais fortes que a minha teimosia. Contando com as suas raízes, para os dias em que o vento apenas me quer para martírio de algumas tempestades. Ser sincero, e que no fim de cada beijo, selar toda a paixão entre os meus ossos. Não olvidar-me de lhe pedir para que não me deixe fugir. Daqui, deste lugar tão pequeno e apertado, assim como fica um coraçãozito de pardal.

Resgatá-la, colhê-la no auge de cada sorriso. Roubar cada pedaço de mundo e fazê-la minha, nas mãos de pecador. Porque me dou a tudo e a nada, e aquele sorriso inventado em meia vergonha, traz-me um sol que lhe desce pelos ombros, até cegar na sua silhueta ondulante. Julgar-me assim, possesso, e mais que tudo, descer pela sua pele, desdenhando cada segundo que passe.

Oferece-me os lábios em refresco, que me transporta para a noite, em todo o manto que a luz não encobre. É uma paixão de flamejante cor parda, pequenos esgares de uma vontade que se consome em beleza. O preâmbulo do gesto, numa definição que não se quer, nem se encontra. Apenas um contra o outro.

Tendo em conta que os sudários da paixão não são mais que lençóis marcados de engelho e odor, sou memória em perfumes e cores que me tingem por dentro. Leve traço a cânfora, foi apenas isso que me deixou. Desde a pele, até aqui. Até aqui.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

heroína

Sente, uma breve memória resgatada ao acaso, em contramão pelos desígnios da mente, consegue embater com violência no teu rosto. São trezentos e sessenta e cinco dias, uns sobre outros, sem regresso, sem algo que os ligue. Dançando no arame, por um fio, malabarista de falso sorriso. Descrê-se que tudo passe e, quando nada mais se encontra, resiste-se à tentação de condensar o tempo em simples anos.

Revertendo um coração com dois pólos, a sós, quando a amargura nos sabe a frutose. Manancial de dúvidas e incertas manhãs. Cerra a boca este absurdo silêncio do grito, desvelo pelo que me consome e também de outros afins. Porque não se verga, como vereda à vontade do canavial. Porque não se dilui, como aguarela viva em água turva. Porque não se absorve, como faziam as tuas lágrimas em mim.

Sente, uma breve memória tua poderia resgatar-me sem ser ao acaso. Se todas as contrições e linhas a que nos oferecemos, fossem outras que não as nossas. São setecentos e trinta dias empilhados a muito. Aqui, ali, para além de todos os beijos tramados. Deixas-me este legado, segredar-te na estranha forma de não te reconhecer nos outros.

Esventrando a imagem da mulher que deixaste em mim, quando tu nem existes. Falava a boca, antes em beijos, depois em cortejos. Porque definho, como quem não sabe o nome para isto. Porque o lamento é uma ofensa. Porque tocar-te seria morrer em paz com o mundo.

Sente, se um dia nunca te tivesse inventado, hoje não seria eu a escrever-te. Só assim sei distender-me até ao fim do teu horizonte, sem perder a noção de mais que três mil seiscentos e cinquenta formas de te criar sob a minha pele. Tu sobre mim, justapostos, de atravessado, desalinhados nos enfeites de coisas nossas.

Desvanecendo qualquer manhã, condenando-a ao fracasso. Apenas porque unos, tanto mais seríamos, meu amor.

sábado, 1 de maio de 2010

tão só |e| apenas

- Não consigo entender o que possa ter visto em ti. Explicar-te melhor o que vai aqui dentro, só mesmo abrindo a tua miserável cabeça. É pensar como um último desejo pode secar num ápice, sem que demonstres alguma vontade de contrariar. Da tua parte, dessa tua forma de copo vazio, de quem foi tragado e deixado por lavar, habituei-me a desculpar essa triste mania de escorregares em atitudes incertas. Erradas para mim, porque só eu aturei esses vazios. Farta dos teus nadas, do enfado nas tuas respostas. Sem que um aparte fosse maquinado pelos deuses, ou quiçá, de qualquer outra maneira tacanha de me fazeres sentir feliz com um simples e enjeitado sorriso esboçado a muito custo. Perder-me em delongas, dissertando o meu tanto querer pelas vagas em que te sentia realmente ao meu lado. Egoísta. Intratável. Insolente. Tu, como o inabalável censor dos meus sonhos. Assim ficas, orgulhosamente sorumbático, de perna cruzada e olhando para mim. Reage homem! Prefiro que embirres comigo e digas que não passa de mais um pequeno capricho implicante de menina mimada. Não encolhas os ombros! Não quero isso como como reacção ao que te digo. A tua passividade é a minha maior frustração. Sei que te mexes por dentro, porque até daqui consigo medir-te a densidade da alma. Não te escondas, mortificando a minha tentativa de que, ao menos agora, me digas qualquer coisa decente. Larga a porcaria do teu mundinho paralelo a outros tantos que dizes ter. Nenhum serve! És um traste, sabias? Triste mania de te armares em autista quando quero que me respondas. Tenho é vontade de te esganar. Merecias era uma chapada nessa cara de parvo e...
- Afasta-te só um pouco para o lado, por favor. Tapas-me o sol.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

contor|nus

Latente.
Veemente. Atravessa-me.
Sem pressa.
Na forma. No modo. Sem teimas.
Disforma. Contorna.

E se esquece...

Latente.
Nas dobras dos dias.
Nos recantos de sudário.
Suados. Os lábios trocados.
Embebidos. Tragados em silêncio.

Aquece...

Latente.
Na sombra. A tua que me torna.
Engelho feliz. Sorridente.
Transbordante. À tua sombra.
Reluzente espaço. Quedado no escuro

Latência resoluta. Palavras medidas.
Nua. Despida. A palavra que é tua.
Faz-te tua. Fez-se dia.
E do dia nasce a noite.
Sendo assim o que almeja a mente.

sábado, 10 de abril de 2010

passo|s

Perdi-me. Na definição que me fazia a marca, na compleição de me fazer perdido entre as ruas. Esqueci-me. Não por temer algumas sombras, naqueles cantos menos simpáticos, nos tantos recantos a que não me dei. Pudesse eu jogar com as horas, os compassos ou os minutos pautados. Talvez não dissesse à boca cheia que me sentia em falta, de cada vez que o solto a passo pela calçada. Libertar o lobo dos passeios e becos. Pequenos delírios entre as irregularidades da cabeça e os devaneios de um empedrado antigo.

Dissipar-me na atmosfera, ar que de nada rarefeito, torna-se extinguível ao afago da brisa. Ofereci-me. Assim, sem grandes complacências nem rumores de desistências a meio gás. Deixaram-me, nem dentro, nem fora, sem que embora não se me descaia o beicinho. Por vezes cola, assim como os cigarros virgens e enxutos, antes de lhes estoirar a inquietude envolta nos lábios. Trazem-me lembranças, coisas da rua. As despidas paredes de sol, alguns errantes, pedintes e maluquinhos. Por vezes é neste estranho manto de mais profundo que vinte mil léguas, que me reencontro nas diabruras de caminhar sozinho.

Dicromático, em cada olhar não repetido. Em cada paixão mal medida, sem grande sentido de profundidade. Coração lasso, acostumado aos gatos que lutam nos telhados, àquela travessa que se julga não minha companheira. Janelas enlutadas, ao lado, ombreiras engelhadas. Casas gastas, rudes portas. Madeiras podres, sem que a pobreza fique à vista da rua. Caminho, prosseguindo adiante, admitindo progressão, procedento ao seguinte.

Decrépitas mensagens em paredes. Safardanas que lá longe se aparentam a sacos de plástico boiando rio abaixo. Conjuras para dentro, porque a rua não se dá a quem odeia solidão. Portas que se abrem e fecham de mansinho, fugaz silhueta de homem que leva escondido um segredo. No andar leva o êxtase, a tusa agora confortada. Com um adeus à amante que lhe colmatou algo mais que apenas um amor proibido. Não há santos nem pecadores. Apenas pessoas, poucas. Dou-me eu a estas andanças sem azimute, guardando para mim o que vejo, tratando de lhes dar uma breve nota.

Paixões assimétricas. São estas sombras translineares, transfigurando o princípio do fim. Arvoredo de profusos braços em flor, que acabam onde começa outro clarão de luz em tom laranja. Dou-me em todo o sentido que a rua me dá. Nenhum. Um cão vadia um pouco mais depressa. É um imitador nato. Fareja de forma constante algo que seja. Olha-me. Olho-o. Ficamos ambos assim. Aguça as orelhas negras. Fareja no ar. Acendo um cigarro. Abana a cauda e prossegue por outra boca de paredes caladas. Pintadas de branco, lívidas à luz da lua, nos espaços onde a luz artificial não chega.

Pior seria o celibato de pensamentos. Não morarem aqui fora. Morrerem ao abrir de uma porta. Sozinhos, pendurados como peúgas foleiras no estendal. Encruzilhadas que me acompanham o virar de esquinas e leves tropeções, quando olho para cima e vejo uma coruja. A única coisa que lhe invejo é aquela brancura e o voo rasante de silêncio.
Silêncio. Como amo esta cidade só para mim, quando se despe de todos e coloca este cetim. Só para mim. E de tanto egoísmo sou feito. Gosto idolátrico, que no sarcasmo queda-me a má fama de espojinho nocturno. Drogado assumido desta desmedida vontade de vaguear. Vadiar somente. Cortar caminhos, rasgar a avenida em sentido contrário. Desrespeitar semáforos. As passadeiras são-me oblíquas. Não querer entender cartazes, mas olhar para um carro de matrícula francesa e ser o melhor exemplo capicua que vi até hoje. Deixar de lado os sinais, porque sou peão, porque no fundo, nada quero ser. Nada, como este vento que insiste. Nada, mas é.

Nenhuma noite acaba sem que antes surja a rainha e os seus cavaleiros. Na voraz fome dos empecilhos, detritos, merdices e calúnias, os homens levam-lhe à boca todo o mal humano. Ruidosa, imponente, fétida devota pelo que se tenta esconder à vista de uns e de outros. É com esta manigância que desconfio da madrugada. Já de si madura, faz de mim um rosto cansado, frio e com olheiras. Em regra geral, o camião do lixo surge sempre a esta hora e acaba por ditar o regresso a casa. É tarde, mesmo que ainda seja de noite.

terça-feira, 30 de março de 2010

marginais do acaso

Guarda-me um pouco, nessa noite que trazes na pele. Guarda-me, guarda-me, guarda-me em tantas e repetidas vezes, e que me cales para sempre. Como os teus beijos me bastavam para acalmar esta cegueira de sentir o inconformismo de não te ter por inteiro.


Nunca te liguei de volta, nem que voltas teria de dar para o fazer. E guarda-me, guarda-me, guarda-me numa repetição de voltas, sem que retome a volta de onde vim. Que fosses de novo aqui, aqui, e mais aqui... onde me deixaste descompensada.


Caminhamos sozinhos, porque somos corações voláteis um ao outro, ao tempo inventado entre nós. Talvez nem tempo tenha passado na verdade. Porque talvez nem verdade tenha existido. Foste magia, cada sinapse, cada bater de asas quando me transformavas. Cada nota perdida, velada em cada prosa transformada num gesto. Percorrias-me assim, perdido em desvelo. Oceano que me cerca, e cerca-me, cerca-me com o teu abraço de uma vez por todas.


Sempre nos fez bem pensar assim, que a solidão só nos faria bem. Estarmos a sós, mas só um resta de nós. A cada canto da casa. Em cada recanto meu. A cada singularidade de um dia teres sorrido para mim desde esses teus olhos ao teu coração.


Somos especiais, dizias-me assim, meu amor, todas as frases terminavam da mesma forma. Meu amor, meu amor, meu amor... somos apenas marginais do acaso. Perdento-te ao início de uma rua, reencontrando pedaços de ti noutra, e noutra, e numa outra que nem sabia existir na tua vida.


No fim, e por fim, sem finitude ou compaixão pelo mundo, o beijo da sentença. As tuas mãos macias, embalavam-me noutro beijo roubado. E beija-me, beija-me, beija-me todas as mais vezes como sendo o primeiro e único.


Devemo-nos ao fogo, no entanto queimámo-nos em separado. Não sei falar porque não me sabes ouvir. Não conheço outro alguém, e tu, tu, tu e só tu finges desconhecer quem sou.


Não está bem. Nada fica bem. Nada estará bem, mas tudo bem, enquanto houver tempo para bater cada minuto que nos separa, nesta única folha de papel.


Hoje escrevi-te. Carreguei-te nas estrelas e desci pela tinta, no que me tinge em lágrimas de te olhar lá tão alto. Brilhante, sempre o foste. Tenho tantas saudades de quem fomos, mesmo existindo mais para além deste pesar. Pensar que me olhas do teu lugar, ali para cima, onde te pendurei.


Hoje, como na última noite, espero por ti à porta de casa. Aguardando, esperando que venhas, que te venhas e me amarrotes para o lado. Já não precisas de dizer que me amas, quando me chamas assim nessa voz quente. Nem um pouco ficas, quando nada mais tens para me contar ou medir em mim.


Apenas que não chova, que não chova e não chore o céu por mim. Lê-me apenas desta vez, na última frase que te desejaria dizer para sempre. Repetir-me por ti, vezes, vezes, e vezes sem conta.

quarta-feira, 24 de março de 2010

paz na terra


Imagem: Marco Neves (c)



Se ao menos o meu coração coubesse nas tuas mãos
Nos teus dedos feitos na distância, de saudade
Do tão imenso que nos separa, do céu derramado sobre a terra
Por entre a paz, a inquietude que me traz o sossego


As noites precipitadas nos dias inacabados
Deixados para trás, aqueles antes de ontem
Se ao menos soubesse a terra oferecer-me o teu cheiro
Um resplendor, uma ténue presença tua no vento


Existes no tempo somente, nos espaços agrestes, em mim
Em olhos mais que guardados, num rosto fechado no solfejo
Destas memórias que de mim fazem um homem
De rancores esquecido, de lutos despido


Chamar-te-ia morte se não soubesse de cor o teu nome
Ou na frívola vontade de abrir os braços e clamar-te assim
Roubando quem sou, à boa ventura de ter nascido para o mundo
Se ao menos soubesses tu... que ao menos existes.




sábado, 20 de março de 2010

cursivos

Estranha forma como começo por descrever este momento, sendo quase inócuo, talvez impossível de desatinar comigo mesmo, só mesmo porque não me importo. Frase mágica que me surge a completar o raciocínio, "porque não me importo". É mais que desistir, menos que desacreditar. Sem ser uma falência das crenças e dos sentidos, ou aliar-me à fácil trama do coração desfigurado, apenas já não me importa.


Uns pés descalços e já um ombro com a pele em alvoroço. Frio. E um estado virginal, quase leve, quase brando, que ao olhar para ti nada me dói. Porque não me importo, lembras-te? Não te olho, mas deambulo de pensamento corrido. Não há corações desfigurados. Porque não há corações desfigurados, só tempestuosos. De tempestade? Não, de Amor. E aos clichés, um brinde, quase murmuro. Mas que se foda a poesia. Eu só queria que estivesses sozinho, não contigo mesmo, mas com a crença mentirosa de que não mais acreditas nas nossas memórias. E não te olho.


Descolou-se-me o manto provençal, uns tantos dizeres tão sentidos como o poço das paixões secretas. Da mesma forma como se descola a retina a um atirador profissional, assim sinto esta bebida forte atravessar-me por dentro. Foda-se, já não quero saber. De tanta engrenagem me saturei, e nenhuma outra acção me ocorre a não ser colocar as mãos atrás da cabeça e descartar toda e qualquer vontade de me sentir.


Arrasta-se uma cadeira, coloca-se mais um copo à mesa e traga-se vodka em três goles. Quase que te desprezo, quando à pouca luz o teu rosto sem som me parece a coisa mais bonita de sempre. Lembro-me agora porque me conquistaste. Em expressão insana, silencio-me num “cabrão”, enquanto ato o cabelo que me cai pelas costas. Levantas-te, agarras no casaco e bates com a porta. Finalmente uma morte ao silêncio. Olho, autista, para a parede. Caio da cadeira, bato com o cotovelo, o meu cabelo desprende-se. Choro-te, a ti e ao chão. Cabrão. Amo-te de doença, de morte.


A mim que já nem me importa se volte a temer a morte, ou pior, morrer de paixão, se nem já lhe vejo o rosto. Que a mesma me consuma as veias, secando-me de desejo, de ânsia aflita e desesperante. Agora... agora sento-me numa esplanada, quieto apenas, no silêncio que só a madrugada traz consigo. Toda esta quietude, quase bizarra de imaginar outrora, seria constrastante com a maquinaria a vapor que sentia possuir-me o pensamento. Resume-se a um pequeno compêndio emocional, desenvencilhar-me de mais uns acrescentos que me deram à alma.


Permaneço em chão que não me é alheio, mas que me fere os poros. Porque das tuas palavras escritas em noites antigas nas minhas coxas, só te consigo dizer que de todos os homens que já tive, só tu me sabes chamar. Choro piamente, até que a desgraça pareça ridícula e adormeça.


Necessito de alguém que me fale das diferenças entre cosméticos baratos e caros. Necessito de ouvir dizeres e boatos, alcoviteiras de anca larga, de sentir um perfume liso, plano, de odor a açucareiro ou essência de lavanda sintética. Quais bálsamos, concentrados ou óleos, sândalos e madeiras exóticas. Enjoei-me de tantas paixonérrimas canduras, de triunfos cantados à clara voz que nos abre o peito, aventuras e vãs glórias de amar... enfim. Acabamos todos numa cigarrilha mal fumada à varanda, antes de nos esticarmos na cama engelhada, no compasso da ventoínha para enganar o calor de Agosto.


Sonho com um Verão que nunca chegou a ser. Levavas-me até ao México que não vem no mapa. Apaixonavas-te por uma cigana de olhos verdes, mas foi a mim, de olhos castanhos, que pedias em casamento. Neguei onze vezes, uma das quais ao almoço, ao lado de um casal perfeito, lindos. Durante a tarde fazíamos amor como quem fazia carrosséis e algodão doce, de cortinas puxadas e perfumes alegóricos. Éramos lindos, na cama. Implicava contigo: um bom cheiro vem de flores bonitas, não de falsos incensos. Era um Hotel pintado a ocre decadente, e eu chamei-te de meu amor. Não sorriste. Não pestanejaste. Nada. Não foste tu. Afinal, eram só mesmo falsos incensos.


Nem importa o mês, apenas um exemplo, porque já nem me importa muito que o Inverno continue. É. Até nem me importo muito com o que possa acontecer a seguir. Continuo a adormer e a acordar no mesmo local da mente. Já nem bebo...


Se ao menos quisesses saberes-me ouvir. Porque me dói. E dói-me por saber que me sabes ler, mas não queres. Não és tu. Nem por um segundo desvias o olhar do infinito que encontras numa parede despida. Nua me deixas. Nua. Sem ti nessa mesma tua presença. Dói-me tanto quando te dás assim, a mim.


Aflige-me aquela sensação que me domina por certos momentos. A extrema necessidade de implodir, dando por mim a procurar nos outros mais e maiores males, que me alimentem a fome de destroços. E como adoro... e como adoro um bom coração estropiado. Pior será a carência emergente, e que na verdade, já não querer saber é apenas o início de uma fase. Sinto pavor ao que precede por não ter a cabeça repleta com as coisas dos outros, de outro alguém. Provoco, insisto em espremer o coração até que o mate. É um pavor absurdo do Sol. De tanto saber que te amo, maior é esta tusa por te matar.


Procuro-te irracionalmente em aflição desmedida pela casa. Não voltaste. Sem surpresa. Sem saber se é bom ou mau. Arrasto-me com o roupão a meio corpo, os seios que vislumbram na penumbra o teu rosto inventado. Uma perna nua à tua espera, ao canto da casa.


Ocupo-me de merdas que nem gosto, não quero saber! Adoro o cheiro do vinil quando novo. Preto. Vermelho. Preto e vermelho. Forrar as paredes assim, quentes e frias, frias e quentes. Apetece-me.


De boca com o sabor a esmalte, descalça, enamoro o papel de parede que comprámos juntos. Tinha o coração estropiado, e tu, em modo Velvet Underground na ponta da língua, enfiaste-me no carro e deslumbraste-me com promessas de paredes alegres. Cantavas mal, mas reparaste-me o peito encardido. “Destroços... que destroços os teus...” dizias tu, no teu ar complacente e de cuidado, quando me querias noite dentro.


Não é que me importe, ou então minto descaradamente, mas tenho fome. Regressar nas mesmas palavras com que saí. Nenhumas. Puxar-te para um canto qualquer, ignorando que os teus pulsos gritem a tenaz dor de te agarrar. Rasgar-te. Saber cantar na rouquidão que a catarse me dá. É um ódio incondicional, amor. É um ódio desejar-me rebolar pelos destroços para saber adormecer entre os teus seios. Despojos de gostar assim.


És doente, mas sou crente na tua doença por mim.


És dor, Amor. És morfina para mim.