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quinta-feira, 1 de agosto de 2013

pro|lixa

De cada palavra estendida, existe uma letra que se desajusta. Impelida por uma força maior à sua vontade, por fim, vale-se de uma mudez intransmutável. Será este o último reduto de uma vontade, exasperada, inconformista, em carência de léxicos e lugares comuns. Será a solidão uma coisa tingida de estranheza, adjectivada num tom submisso e derrotista. Será uma transgressão, uma causa perdida vê-la definhar ao longo da frase, sem que morra no fim e nem exista no princípio.

Sem espaço entre semelhantes, diz-se homófona de si mesma. Pendida em carência, calada a tanto custo, é sofrer-se de já nem lhe restar linhas por onde existir. Fecha-se assim, entre frases disparadas sem conexão, como gotas em vidro baço. Vetusta, queda-se na inoperância de uma garganta embargada, nas cordas vocais afónicas de se dizer. Desarticulada, sem ortografia, sentida, demasiado aguda para que se faça entender, a letra diz-se morta para qualquer verbo ou canção.

De cada vez estendida, existiria outra letra imbuída na sua estória, não fosse a maldade de não saber falar.

quarta-feira, 26 de junho de 2013

de|mais

Enganemo-nos por qualquer coisa, no instante que não seja um motivo que nos leve a pensar. Enganemo-nos como as miragens, sem que exista uma secura a toldar-nos em sede. Enganemo-nos como quem desdenha um passado, sem saber de futuros e, mesmo que errado, este presente nos seja em veneno gratuito. Enganemo-nos em vislumbres, entre sombras, em meio tom, em pouca água afogar-nos. Exageremos em conluio, no maldito seja entre os homens, existir tão ruim peça assim. Enganemo-nos nas circunstâncias, circunscritos ao sacrifício de não se servir de mão beijada, toda a alma que peca em não ter pejo. Sem promessas, nem rumores de que amanhã o sol nasça. Talvez uma ténue vontade de morrer, no exagero da noite calma. Atordoar o sentido, sem entender a vontade, enganemo-nos de uma só vez, entre tantos enganos mais. Se não me engano, talvez por me olhar ao espelho, é por não me saber conter entre as palavras. E elas são pessoas. E elas são carne. E elas são coisas tão estranhamente entranhadas em mim. Enganemo-nos, em plural, porque de solidão só conheço a lua. De tua nada tem, e de minha, pasme-se, somente mentir-lhe à sombra do teu abraço. Enganemo-nos nas más horas, porque já é tarde. Demais. Demais. De mais, um enganoso olhar para o espelho. E vejo pessoas. E vejo coisas. E vejo palavras. Demais.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

talvez, o dia


Talvez escolher nem fosse o caso
sendo o escolhido, o pior dos caminhos
talvez nem um pouco de mim se calasse
se na fome, apenas visse a artimanha da gula
talvez nem me tornasse brando, tampouco
à permissão da dureza me imperar

Talvez nem fosse a pior das coisas
dúvidas alimentadas à mão de um pobre
talvez a sede não fosse tão espinhosa
se o sentido fosse dado ao erro de sentir
talvez me perguntasse, com tempo, ao longe, silenciado
como é possível subjugar o feitio ao feitiço

Talvez curvar-me um pouco mais à dor
se não me entendo senão dar-me em alegria
talvez parecesse que esta, assim, me faz em encantos
quando é um beijo que me apaga o dia
talvez se responda, de firme abraço, até ao peito
sem que as mãos se segurem, de tão unidas

Talvez nem sobreviva o dia, à noite
se na luz se escondem todas as sombras
talvez disposto, entre o céu e a terra
descanse um horizonte que não me saiba finito
talvez um pouco mais lesto, um tanto mais calmo
quando todas as estradas possuem o mesmo destino

Talvez se faça a confusão à vida, ao caminho
quando se acha um sentido contraditório
talvez respirar mate mais depressa
que outros venenos de sentir-me espesso
talvez lograr, padecer de uma culpa consentida
se entre os lábios, não mais saber morar escondido

Talvez suja, a parca mácula da derrota
do reflexo, o flagelo constante de quem se pensa
talvez nem o gume corte a direito
na linha, junto ao corpo estranho que nos alimenta
talvez parar seja um fechar de olhos
quando abri-los é demais para a vida

terça-feira, 7 de maio de 2013

há-de passar


Alguma coisa há-de passar
como crivos na almofada
de uma noite não passada
sem ser dada ao acaso
justifica-se plena, entre lábios
alguma coisa há-de passar

De quando em vez, até me sinto
não dado a meias medidas
à sombra te clamo, estendida
num recanto meu te encontro, faço minha
esta vontade de me querer mais fundo em ti
porque alguma coisa há-de passar

Passado seria, contido a pouco
no tanto que me escrevo a frio
e ao calor, consentindo aos olhos
revelem o que mais contenho em mim
um pouco calado, um tanto surdo
em que alguma coisa há-de passar

Passa-me algo, entre espessuras
sentir, singular, esta vontade
uma mão que me escapa, a monte
na soltura, no enlevo de bater em ti
sem nada me fazer, parar de sentir
entre ossos, estes, por entre te escrevo

sexta-feira, 12 de abril de 2013

| p a l a v r a |


Hoje não disse a palavra
E se pensá-la, seria dizê-la
Sem a querer mais perto
Nem senti-la

De minha, nada tem
Senão metade de quem
De outra parte que me é
À margem, nos lábios de outrem

De sibilar, nem a vontade
Nem amaldiçoar o verbo
Só um rosto de silvo, mas rouco
Despertado me sinto pouco

Houvesse unguentos, dormências
Curas para a morte de me calar
E não me fazer escasso ao dia
Sem a importância de me dar ao sol

Dizer-me, a medo de dormir
Concentrado num filamento em ala
Nem esta luz tão inimiga me diz
Se me resolvo, riscando quem sou

Falar-me em silêncios
Ser absoluto, sem instantes
No eterno pesar de transbordar
Nesta palavra contida

Inimiga, esperançosa
Madrugada sem pele, na minha
Farto-me da palavra, de mim
Por senti-la mais que a língua

Hoje não disse a palavra
Se, fazê-la, é ser maior
Sem a querer mais perto
Quando queimá-la é amor